Estamos chegando ao fim do ano e Uibaí vai entrar na fase das visitas de seus filhos que nasceram no pé-de-serra, mas foram chutados pela estagnação econômica ou pelo monopólio político de 5 ou 6 famílias sobre os poderes. Também chegam aqueles que são adotados: filhos ou casados com uibaienses, de outras terras, mas que adotam o lugar como um símbolo de status. Do dia 15 de dezembro até princípio de janeiro, vai ter gente estranha na rua (aos olhos dos uibaienses que moram em Uibaí desde sempre): uns até que ninguém nunca viu nem na feira.
Mas qual a razão de tanto amor e tanto bairrismo? Ora, o ser humano até se acha muito iluminado, mas em muita coisa não é diferente dos resto dos bichinhos da natureza. Somos territorialistas por natureza. Dá pra dizer, sem medo de ser feliz, que a grande maioria das pessoas não quer sair de sua terra. São poucos os ousados que buscam as luzes da cidade grande: a maioria queria viver em paz na sua terra com sua gente. Mas não pode! A região oferece muito pouco ainda em educação, em emprego, em salário, em lazer. Os que conseguem ficar o fazem com muita força de vontade e alguma sorte ou outros fatores. Quem quiser que se pique! Sertão: deixe-o. Não tem lugar pra todo mundo.
Mas se somos bichos como outros, uma coisa nos diferencia da galinha, das perdiz e do anda-só. O ser humano significa as coisas. E orienta sua vida com base nos significados que vai criando. Uibaí não é só uma "cidadezinha qualquer". Tornou-se um símbolo de status: afinal, somos reconhecidos e nos orgulhamos de nossa inteletualidade sertaneja, de nosso "folclore", de nosso pitoresco, de nossas peculiaridades.
Quando saímos, levamos tanto chute por pobreza, por cor de pele e cabelos, sotaque, origem geográfica. Se for na Salvador, cidade de desigualdade gritante onde há castelos cercados por montanhas de miséria, somos do "interior". A maravilhosa e pacífica Rio de Janeiro: paraíba. A ordenada e metropolitana São Paulo: baiano. As provincianas Feira de Santana, Vitória da Conquista: pernambucanos?
A saída? Passar a chiar igual a um "rádio velho", na ironia dos nossos irmãos que satirizam os que não mantém suas raízes sociolinguísticas. Passar um mês em Salvador e voltar dizendo "mainha, painho, abará, vatapá, barriô". Em São Paulo: "o" José tá adoóórando lá. Em Feira: Poooorra, man, o barrio é pobrema. Para não ser desprezado por um esteriótipo, adota-se outro.
Ou então, bicho, resignifica-se a coisa. Vira a mesa. Nascer em Uibaí, no Sertão, torna-se um símbolo de orgulho. Ser uibaiense é sinônimo de ser privilegiado. E aí, dá-lhe coisas boas: água da formosa, estaladinho, Fonte Grande, doce de leite com rapadura, etc. O que tem de uibaiense que caiu na diáspora e quando volta descobre, atônito: "que Serra filé, morô, quero conhecer". Em geral, aguenta um Peixe ou um Riacho do Meio. Uma subida de Serra dos Bois ou de Sete Voltas não é pra qualquer sertanejo que se perder na diáspora. Mais cômodo é acomodar-se num boteco e dar a falar de como o povo é inteligente, criativo, universitário, estudioso. De fato, é inegável que exportamos mão-de-obra assalariada com muita qualificação. E sem qualificação também. Produzimos o exército de reserva. E quase mais nada.
Amor interessante esse. Fazer o quê: deve ser o andú.