23 de dez. de 2011

CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE DA NOVA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE UIBAÍ

“Éramos poetas, loucos, místicos

éramos tudo que não era são

agora são com dados estatísticos

os cientistas que nos dão razão

de que valeu aquela máxima lógica

do máximo consumo de hoje em dia

uma bárbara marcha tecnológica

e a fé cega em tecnologia

há só um sentimento que é de dó e de malogro” (Lenine)

Fundamentos metodológicos da questão ambiental

A crítica moderna da questão ambiental nasceu articulada à crítica social do modo capitalista de produção. Desde muito antes de Marx, que dizia que o capital “exaure as fontes de riqueza: a terra e o trabalho” em nome do lucro privado, já se fazia a crítica da impossibilidade de um desenvolvimento econômico – na verdade, uma palavra bonita para disfarça o crescimento destrutivo do lucro capitalista. Foram os socialistas os primeiros a falarem da impossibilidade de acumulação ilimitada. Mas sua divulgação mais notória veio do pastor Malthus, que, a partir da tese de que “a população pressiona os meios de subsistência”, reclamava o controle de natalidade dos pobres, responsáveis pela escassez de alimentos, pelo excesso populacional e pela destruição dos recursos naturais – naquela época não se falava em ecologia ou meio ambiente. Seus críticos, porém, desfizeram essa ilusão: não era o excesso demográfico que causava a escassez de alimentos ou a destruição ambiental. Ao contrário, o baixo consumo dos pobres os isentava disso. O que causava o problema era uma economia que privilegiava o lucro e não a distribuição racional e igualitária dos bens de consumo.

Duzentos anos se passaram e o malthussianismo continua com seus adeptos que apresentam a seguinte argumentação (aqui resumida de forma grosseira): com sete bilhões de habitantes no globo, precisamos repensar nossa forma de produção e consumo. A conclusão geralmente é: racionalizar os recursos naturais, reciclar, economizar água, energia, alimentos, etc. No Brasil, devido aos altos níveis de desenvolvimento econômico dos últimos anos, foi bastante comum responsabilizar os pobres que melhoraram seu padrão de consumo (os tais novos membros da classe média) pelos excessos na destruição ambiental, já que, recentemente premidos pela pobreza, agora que desafogavam sua barriga, esses novos consumidores tinham um voraz apetite de consumo, indiretamente, destruindo os recursos naturais. Também não foi raro imputar aos chineses a destruição ambiental, afinal, o crescimento da econômica naquele país permitiu melhorias no padrão de consumo que levaram milhões de chineses a terem o direito de comer carne, levando às florestas à devastação para a pecuária. Tal crítica é despolitizada, classista e não tem compromisso com a totalidade.

O filósofo húngaro István Mészáros em seu livro Para além do capital, coloca que a humanidade está diante de uma encruzilhada histórica em que há duas opções: a sociedade civil autoregulada, igualitária e racional; e o atual modelo capitalista, destrutivo, incontrolável, irracional e bárbaro, que ameaça destruir a possibilidade de vida humana no planeta. O autor demonstra que o problema ambiental que assola o mundo inteiro foi causado pelo modo de produção capitalista. Combatendo as teses neomalthusianas, o autor prova que a obsolescência, a produção de valores de troca sem valor de uso, o desperdício e o nível irracional de consumo dos países do centro do capital está comprometendo nossos recursos naturais. Afinal de contas, é ilógico que um país (os Estados Unidos) com 2% da população do planeta consuma 25% dos recursos disponíveis. Isso se reproduz nas outras esferas sociais: desse modo, no menor povoado de Uibaí, as poucas cabeças de gado que fazem a floresta dar lugar ao pasto e produzem gases poluentes e causadores do aquecimento global, os que mais se beneficiam de seu leite e apreciam sua carne são meia dúzia de remediados e pequenos ricos, enquanto centenas de pessoas trabalhadoras vivem um reduzido padrão de consumo.

Desse modo, não podemos dissociar a questão ambiental da questão política e da questão social. Um novo modo de produção que privilegie a conservação dos recursos ambientais, a justiça social, a igualdade e solidariedade exigirá a derrubada política e social do modo de produção capitalista. Sem essa premissa histórica, ficam comprometidas as possibilidades de mudança qualitativa da sociedade e as iniciativas de conservação ambiental se transformaram em ilhas isoladas cercadas por desertos em todos os lados, o que não deixa de significar bastante para aqueles que resistem e não deixam de ter seu mérito e de serem dignas de nosso louvor.

Na região de Irecê, percebemos que a destruição ambiental está associada ao desenvolvimento econômico capitalista. No século XIX, houve uma grande queimada que durou semanas na Serra Azul, no topo da serra próximo às nascentes dos riachos do Gasta-Sabão, do Olho d’Água, da grota do Jatobá e do Guigó. Esse incêndio, de causa acidental, devastou vários quilômetros quadrados de caatinga. Na regeneração de áreas queimadas na nossa serra, a maniçoba exerce um papel importante: ela domina as novas matas que se formam após as queimadas, talvez pela resistência de suas sementes, as patacas. Quando a indústria alemã e norte-americana passaram a demandar grandes quantidades de borracha, o Brasil se tornou, a princípio, o maior exportador de borracha de seringueira e de borracha de mangaba e maniçoba (que representa 75% do valor daquela). As matas de maniçoba da Serra Azul foram invadidas por multidões de forasteiros e mesmo pelos moradores mais antigos da região, já que a extração de borracha se tornou um negócio lucrativo. A violência, a carência de gêneros alimentícios foram bem narrados por Osvaldo Alencar e Edimário Machado no penúltimo capítulo de Canabrava do Gonçalo. Logo os maniçobeiros descobriram o “método de plantio” da queimada e passaram a “cultivar” maniçoba por toda a região da Serra Azul, do topo das serras até as regiões baixas. Alguns recorreram ao plantio de estacas, mas a maioria simplesmente ateava fogo à mata, pois, a maniçoba dominava naturalmente a área queimada. Essas histórias, narradas pelo cientista suíço Leo Zehntner que esteve presente na região, diretor do Instituto Agrícola, criado pelo então governador da Bahia, Miguel Calmon, mostram que a produção de borracha para o mercado internacional foi a primeira grande devastação ambiental da Serra Azul e da nossa região.

Os camponeses que se estabeleceram na caatinga desde a primeira metade do século XIX desevolveram uma produção agrocaatingueira. Não possuíam técnicas de melhoria do solo, nem adubos ou mesmo preocupação ambiental. Mas, por necessitarem dos recursos florestais da caatinga para pasto, madeira, frutas, remédios, fibras, mel e caça, os camponeses da região conservaram grandes regiões de reserva florestal de caatinga, geralmente de uso coletivo. A água, conforme o estudo Um flagelo no sertão baiano: cotidiano, migração e sobrevivência na seca de 1932 (Vila de Canabrava do Gonçalo/Xique-Xique, BA) de Daiane Dantas Martins, era de uso coletivo e por mais que a seca trouxesse à tona conflitos e contradições existentes nessa sociedade camponesa, não eram incomuns as manifestações de solidariedade, mesmo num episódio de grande escassez de alimentos. Essa agrocaatinga, baseada na pecuária extensiva, na policultura, na múltipla especialidade profissional, na comercialização de excedente e na solidariedade camponesa, marcadamente bairrista e familiar, com uso coletivo de recursos e preservação de uma reserva florestal, não resistiu ao avanço do capitalismo na região a partir dos anos 1940.

O advento das culturas comerciais de algodão, mamona, feijão e milho aceleraram o processo de destruição da caatinga. Porém, somente com a mecanização, a assistência técnica e o crédito promovidos pelo Estado é que o capitalismo encontrou as condições ideiais de desenvolvimento na região de Irecê. Uma série de estudos mostra que foi o tri-consórcio milho-feijão-mamona, e as políticas de crédito do governo com slogans como “o Brasil cresce e Irecê abastece”, “Plante que o governo garante” e “terra do feijão” que destruíram a economia regional pré-existente e criaram em seu lugar, uma econômica capitalista agrária em que o agricultor era explorado indiretamente através dos impostos pelo Estado, dos preços pelo capitalista atravessador e dos juros pelo capital bancário. John Wilkinson (Estado, agroindústria e a pequena produção) e Sônia Leão (Irecê: a formação de um ‘subsistema’ urbano) estudaram esse momento que abrange as décadas de 1950-1970 que transformaram a região no maior produtor de grãos do Nordeste, na possuidora de um quarto das máquinas agrícolas do Estado e num processo de núcleo que sofria urbanização acelerada com graves problemas sociais. O Estado subvencionou a destruição da agrocaatinga permitindo a ação do capital. Porém, quando o desenvolvimento dos transportes e das redes rodoviárias tornou outras regiões no Oeste baiano mais interessantes para a exploração capitalista da agricultura, a região de Irecê foi abandonada. O espaço já estava aberto para o desenvolvimento de uma olericultura e fruticultura irrigadas baseadas em explorações intensivas que disfarçam de “pequenos produtores” uma burguesa agrária e comercial na região. Os impactos desses fenômenos foram estudados com profundidade por Arlicélio de Queiróz Paiva no estudo Solos carbonático-fostáticos do platô de Irecê, BA: gênese, mineralogia e geoquímica.

Percebemos, portanto, que não há possibilidade de dissociar a questão ambiental da política e da econômica. Sem uma mudança de modelo de desenvolvimento, não é possível pensar em uma sustentabilidade ambiental que seja social e politicamente sustentável. O novo contexto que estamos prestes a enfrentar é de exploração mineral por grandes empresas – uma expansão e diversificação de atividades com a exploração de fosfato pela Galvani – e da luta pela terra em torno dos aforamentos das áreas utilizadas para energia eólica. É nesse novo cenário que foi aprovado em fevereiro de 2011 o Código de Defesa do Meio Ambiente, projeto de autoria da Prefeitura Municipal de Uibaí e aprovado com unanimidade pela Câmara Municipal. Em que consiste o código? Quais recursos estão em disputa? Que interesses estão por trás disso?

A quem interessa o código?

Supostamente “fundamentado no interesse local”, a proposta do Código Ambiental, um documento de 20 páginas e 114 artigos, prevê a criação de uma política municipal de meio ambiente voltada para “preservação, conservação, defesa, melhoria, recuperação e controle do meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 1º). Tendo por objetivos além dos quixotescos “desenvolvimento integral do ser humano”, a Política prevê “articular e integrar” as ações ambientais da prefeitura, Estado e Federação, “identificar e caracterizar os ecossistemas do Município” e “estimular o desenvolvimento de pesquisas” (art. 3º). Também prevê a criação do Conselho Municipal do Meio Ambiente e da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo (art. 6º).

A criação de nova estrutura burocrática – ou, talvez a re-formulação de uma pré-existente através da elevação de uma diretoria de meio ambiente que poderia existir numa Secretaria de Agricultura – demanda recursos públicos que sairão do orçamento municipal. Todavia, os gastos previstos não se resumem na contratação de um novo secretário, um ou dois auxiliares, um computador e no aluguel de um espaço de algum correligionário. Tais despesas por si só já seriam altas considerando os limites do orçamento municipal. Na última vez que o Movimento Vicente Veloso sentou para discutir a proposta de Lei orçamentária anual, a de 2009, já questionávamos se era possível uma política agrícola com base num orçamento “para a agricultura” que representava 1% do total, algo em torno de R$ 100.000,00 para a agricultura. Considerando que um secretário receba R$ 4.000,00, seu rendimento anual representa quase metade da despesa prevista. De onde sairia o dinheiro para uma Secretaria de Meio Ambiente, considerando que esta é a separação de um departamento da Secretaria da Agricultura?

Porém, o código prevê muito mais que um secretário (nos cálculos acima, sem nenhum auxiliar). No capítulo III, o município se responsabiliza pela realização de um “Zoneamento ambiental” que consiste em classificar as áreas do município em “Zonas de Unidade de Conservação”, “Zonas de Proteção Ambiental”, “Zonas de Proteção Paisagística”, “Zonas de recuperação ambiental” e “Zonas de controle especial” (art. 14º). As unidades de conservação podem ser enquadradas nas categorias de “reserva ecológica” destinada exclusivamente à preservação e pesquisa científica; as de “relevante interesse ecológico” que exigem “proteção especial”, as “reservas de desenvolvimento sustentável” onde vivem povos tradicionais como quilombolas, camponeses ou indígenas que prevê equilíbrio entre proteção e produção e as de “parque municipal”, “jardim botânico”, “horto florestal” e “jardim zoológico” (art. 18º). Toda essa classificação e posterior regulamentação exigirá muito mais do que um Secretário e dois ou três auxiliares. Trata-se de um estudo de envergadura, jamais realizado na região que deverá ser realizado por uma equipe multidisciplinar que inclua biólogos, agrônomos, engenheiros ambientais, geólogos, geógrafos, antropólogos, etc. Posteriormente, haverá uma normatização e regulamentação que exigirá um aparato burocrático relativamente preparado e uma assessoria jurídica competente o bastante para compatibilizar as legislações federais e estadual com a municipal. Será que o município possuirá condições, em um orçamento tão minguado, de realizar uma empreitada dessa, haja vista que todos esses profissionais deverão ter o mínimo de conhecimento dos biomas existentes na região – predominantemente na caatinga – e que, por sua alta qualificação e raridade, custarão talvez o mesmo ou mais do que o tal secretário?

Ora, poderia responder alguém que o município só precisará realizar tal zoneamento ambiental uma vez. Para ser mais responsável, deverá fazer revisões periódicas, talvez num intervalo de uma década. Seria um gasto alto, mas excepcional. Porém, sabemos que o código prevê, no seu capítulo VI, a realização do “licenciamento ambiental” para empreendedores que pretendam realizar alguma atividade “potencialmente degradadora” (art. 28º). Por exemplo: se alguém quiser explorar areia para construção, precisará de “Licença de localização” que prevê “requisitos básicos e condicionantes” do atendimento de “programas e projetos” com validade de dois anos; a seguir, o empreendedor solicitará da Secretaria e do Conselho municipais de Meio ambiente a expedição de uma “licença de implantação” e a seguir uma “licença de operação” após a avaliação do “efetivo cumprimento das exigências constantes das licenças anteriores” (art. 30º). O código prevê, portanto, uma equipe numerosa e qualificada para atuar junto à Secretaria e Conselho municipais do Meio Ambiente. Questiona-se: o município terá condições de arcar com tais procedimentos e contratar e dar condições de trabalho a profissionais desse tipo?

Não questionamos aqui nenhum dos procedimentos previstos na lei (o que poderia ser feito por alguém com mais competência no assunto), nem sua consitucionalidade, mas pergunta-se sobre sua viabilidade. Considerando que nos últimos anos as dificuldades de fiscalização e controle ambiental no Brasil possibilitaram uma situação de anarquia generalizada e na permissão de uma série de crimes ambientais realizados à luz do dia sem sequer denúncias ou imputação de crime.

Assistimos cotidianamente na nossa região a retirada de madeira, a extração de areia, a instalação de empreendimentos turísticos sem qualquer tipo de regulamentação ou licenciamento, incêndios criminosos, destruição de nascentes, poluição de águas, retirada indiscrimada de água do subsolo (responsável pela morte do riacho do Baixão), poluição do ar urbano com fábricas que emitem fumaça e gases poluentes na cidade causando doenças nos moradores das imediações, tudo isso sem qualquer imputação legal ou criminal. Não é cedo que chega a possibilidade de uma legislação que venha regulamentar as atividades econômicas e permitir algum tipo de proteção ambiental. Qualquer iniciativa legal ou não que venha garantir algum tipo de preservação, recuperação e proteção ambiental é bem-vinda. Mas ela precisa ser viável e realista.

Não teria sido essa lei uma transferência de uma responsabilidade da esfera estadual para a municipal, haja vista que aquela tem tido dificuldades para zonear e licenciar os empreendimentos de potencial degradador no Estado? Essa transferência de responsabilidade para a esfera municipal tem a vantagem de favorecer a participação cidadã na gestão ambiental no cotidiano do município, permitindo mesmo um controle direto. Porém, a incapacidade que essa esfera administrativa tem de executar ações tão vultosas pode, por outro lado, favorecer a legalização de empreendimentos de grande porte como mineração, geração de energia ou outros tipos de extrativismo.

Se o município tem condições de realizar e implementar tal Código, porque diversas iniciativas como abertura de estradas em regiões de encostas e de nascentes de riachos foram feitas “ao arrepio da lei”? O código prevê 180 dias para regulamentação “mediante decreto” do prefeito (art. 110º) e certamente o orçamento anual de 2012, proposto pelo executivo e discutido e aprovado pela Câmara ainda em fins de 2011 prevê recursos para a execução dessa lei. Como está a sua aplicação? O que tem sido feito? O debate ambiental não pode ser realizado à revelia do Executivo e do Legislativo, além, é claro, do Ministério Público.

Devemos questionar se é melhor e mais interessante para o movimento ambientalista e para a sociedade regional a reivindicação de uma participação do Estado da Bahia no zoneamento e no licenciamento ambiental através da criação de agências regionais e conselhos territoriais da Secretaria Estadual de Meio Ambiente ou se é possível que um município pobre em arrecadação pode realizar tal atividade com responsabilidade e qualificação técnica? Não podemos nos deixar enganar pela poesia do texto jurídico, nem pelo legalismo daqueles que resumem as questões ambientais a uma tecnologia jurídica que deve ser aplicada corretamente. Tais decisões e discussões são políticas no sentido de que devem interessar e envolver os cidadãos e a sociedade civil.

13 de dez. de 2011

Código Municipal do Meio Ambiente 13-20









DEBATE SOBRE NOVO CÓDIGO FLORESTAL, FUNDO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE E CÓDIGO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE

DATA: 30-12-2011

HORÁRIO: 19 HORAS

LOCAL: GRÊMIO CULTURAL VOZ DO POVO - CÂMARA MUNICIPAL

Lei Municipal criando Fundo do Meio Ambiente


EM FEVEREIRO DE 2011, A CÂMARA MUNICIPAL aprovou uma lei criando o Fundo Municipal do Meio Ambiente.
A proposição do projeto de Restauração Florestal Grota do Mané é realizar um debate sobre a mesma no dia 30 de dezembro, às 19 horas com local a definir (Grêmio Cultural Voz do Povo / Câmara Municipal).

8 de nov. de 2011

Estética da tragédia em De Buriti à Pintada: Zequinha e Lamarca na Bahia

De forma particularmente diversa do cinema tradicional (ficção), a cinegrafia do filme documentário é uma estrutura pensada no mise en scène. Essa concepção prévia notadamente tem sua execução e organização na montagem, processo que ordena as cenas e todo o material gravado de acordo com um roteiro, neste, estão descritas as estratégias, as formas de construir um sentido para o documentário e principalmente como esse sentido afetará o espectador. Augusto nos fornece uma descrição objetiva da importância da montagem no cinema

No decorrer de sua existência, a montagem passou a ser organizada como profissão e tornou-se uma atividade técnica responsável pela capacidade inventiva do realizador, produzindo no cinema o movimento vibratório dos signos capaz de lhe fornecer força poética. (AUGUSTO, 2004, p. 54)

A montagem é de extrema importância no nosso caso específico do filme documentário de Reizinho “Do Buriti a Pintada: Lamarca e Zequinha na Bahia”. Por que é uma narrativa fílmica que não está imbricada aos termos da ficção cinematográfica, como atores, falas, adaptações (o que costuma ser característica de documentários históricos) as sequências são formadas por relatos factuais de pessoas envolvidas na história, sem interpretação. O dever de narrar, de conduzir o espectador sob uma determinada perspectiva fica totalmente a cargo da ordenação do roteiro que direciona a montagem.

Primeiro precisamos ter em mente que este texto tem como intuito fazer uma observação da estética do documentário de Reizinho sem se espraiar pelo terreno Histórico que o norteou. Pretendo traçar um comentário breve sobre alguns aspectos mais representativos que transparecem no filme documentário sob uma visão crítica/estética.

De fato, o filme documentário que abordamos aqui conta uma história trágica. No entanto não entendamos aqui o vocábulo “trágico” como no seu uso corrente, banalizado. Resgatamos aqui o termo trágico como conceito. Conceito muito discutido por filósofos e intelectuais desde o início do século XX e que advém da antiguidade clássica. De início seria de bom grado expor o que legitima esse tipo de visão, ou antes, o que há no objeto analisado que garanta a interpretação como trágico.

Para me utilizar de um exemplo de grande pertinência avanço aqui até o instante em que “recortes” de cartas de Carlos Lamarca são lidas pelo narrador em off, em determinada carta diz o capitão: “Nunca terei mobilidade, é a verdade, a minha será dada pelas minhas forças sobre os aviões e helicópteros. Não me iludo mais, a minha prática exige sacrifícios para os quais não espero compreensão paternalista nem comiseração. A revolução me exige isto, e eu quero fazer a revolução!”. Essa expressão, juntamente com outras características da história contada e principalmente como ela é abordada esteticamente pelo filme documentário nos permite caracterizar e estética trágica do mesmo. Na fala de Lamarca está presente um detalhe descoberto pelo filósofo espanhol, Miguel Unamuno. No seu livro “Del sentimento trágico de la vida en los hombres y em los pueblos” ele descobriu que, em termos objetivos, a única delimitação do Sujeito era a imortalidade. Ações como a de Carlos Lamarca e Zequinha Barreto contadas no filme documentário demonstram a extremidade dessa delimitação, a tragicidade concernente à sua atividade revolucionária. Não é atoa que Os Anarquistas espanhóis chamaram em 1909, uma semana de violência extremada e mortes durante levantes sem nenhuma esperança concreta de vitória de “la semana trágica”. Não falavam senão disto, de uma esperança de que um dia as suas atitudes individuais ecoassem na redenção de uma revolução social.

Ações inexitosas que mantém no seu próprio cerne o signo de uma consciência de fatalidade demonstram também determinadas características da tragédia teorizada por Nietzshe, como vemos na afirmação a seguir

a forma mais universal do destino trágico é a derrota vitoriosa ou o fato de alcançar a vitória na derrota. A cada vez, o indivíduo é derrotado: e, apesar disso, percebemos seu aniquilamento como uma vitória. Para o herói trágico, é necessário sucumbir por aquilo que ele deve vencer. Nesse grave confronto, intuímos algo da já aludida estima suprema da individuação: aquela de que um originário precisa para alcançar seu último objetivo de prazer. De modo que o perecer se revela tão digno e respeitável quanto o nascer, e de modo que o nascimento deve cumprir, ao perecer, a missão que lhe é imposta como indivíduo. (NIETZSCHE, 2005, p. 12)

No entanto, mais do que os próprios constituintes “trágicos” que permeiam a própria história contada no filme documentário o que mais nos importa são os meios utilizados para criar uma estética da tragédia, numa narrativa singular como a dessa obra fílmica específica.

O Título encerra com efeito uma ideia de trajeto “Do Buriti a Pintada” o que poderíamos entender como “via trágica”, caminho de desterro e conflito. A imagem inicial que inscreve identidade ao projeto, ou seja, a titular também representa um elemento crucial da “tragédia de ser mortal”. A fotografia de Zequinha e Lamarca mortos em direções opostas, enquanto se inscreve abaixo em letras vermelho-sangue seu trajeto instituído “De Buriti a Pintada”.

Os pontos de maior tensão na estética do filme documentário são indubitavelmente as recortes de entrevistas com o pai de Zequinha Barreto, que com uma força emocional hercúlea descreve momentos de terror e abalo sentimental. São os pontos mais emocionantes e que diria, expõem mais efetivamente o espectador ao efeito da catarse. Uma cena delimita a transição entre o centro da história (concatenação dos fatos e acontecimentos que levaram à fuga de Zequinha e Lamarca) e o final do trajeto: Pintada. Nela o pai de Zequinha conta sobre a fuga dos dois, segundo ele diz Lamarca “ José, eu estou morto, me deixe aí numa encruzilhada dessas e procura fugir para salvar tua vida”, responde José “se somos amigos na vida, seremos também na morte, temos que morrer junto... temos que morrer junto”, nesse ponto há um efeito de escurecimento (fade to Black) e a próxima cena é uma visão aérea (sonoramente sinistra) do povoado de Pintada.

A narrativa do documentário no coloca que a situação em que se encontraram Zequinha e Lamarca foi causada por um erro, erro em permanecer ainda que consciente do perigo iminente. Segundo Melo e Souza

“o herói cai em desgraça, por que comete um erro (hemartia) [...] Esta concepção de erro trágico decorre do ensinamento de Sócrates, segundo o qual o homem era por ignorância. A catarse seria, pura e simplesmente, a purgação da ignorância, a passagem da obscuridade para o ilumínio do reconhecimento (anagnorisis).” (MELO E SOUZA, p.122, 2001)

Sabemos, porém, que não está encoberto nessa concepção a natureza do erro dos revolucionários Zequinha e Lamarca, eles não se delineavam pela ignorância, muito pelo contrário, tinham plena consciência de todos os fatos e o seu erro se demonstra mais como uma atitude definitiva de resistência, uma resolução a despeito da sua própria contradição intrínseca que os estreitava racionalmente entre a vida e a morte. O que tem mais relação com o arremate de Melo e Souza sobre a questão do erro e do saber

Contudo, o trágico da tragédia [...] é principalmente ontológico, e não meramente epistemológico. A tragédia não resulta apenas da carência do saber, mas, sobretudo, da excessividade do próprio ser humano.[...] O contorno essencial do horizonte vital do herói trágico se lhe apresenta mais como convite a superá-lo do que como acicate da advertência ou temerosa reverência. [...] Experimentando a transcensão de todo e qualquer caminho, aviando-se impavidamente para toda parte e por lugar nenhum [...] tragicamente educado (ele) realiza a perigosa travessia da insondável limiaridade em que se atualiza a terrível possibilidade de excursão rumo à inexorável vereda do nada.” (MELO E SOUZA, p.122, 2001)

A vereda última é o final do trajeto como expressa o título. Em Pintada foram mortos os dois e levados para Buriti onde, conta um dos entrevistados foram expostos como uma grande conquista e sob o discurso de que aquilo era o que acontecia à terroristas e subversivos. A cena de finalização, de acabamento da vertiginosa via trágica é do que, antiteticamente, poderíamos chamar de uma “beleza terrível”, pois é, em si mesma, uma antítese. Logo após a entrevista com um morador de Buriti que relata a exposições dos corpos de Zequinha e Lamarca ao fundo já começa sutilmente a tocar uma canção que chega no seu ápice quando a cena corta para a focalização mórbida dos cadáveres sob a ironia sonora de “Amada amante” de Roberto Carlos. No entanto o autor não permitiu que fosse a antítese que finalizasse sua obra e na letra da música que conclui o documentário está ainda uma vez expressa assimilação, própria da catarse trágica, do efeito estético da obra de arte: “tombando com tiros no peito, Zequinha não ergueu a voz e agora....... Zequinha virou nós!”.

31 de out. de 2011

Escola, tetro, jornal: as armas dos revolucionários


Luís Antonio Santa Bárbara e os irmãos Zequinha, Olderico e Otoniel Barreto desenvolviam discussões políticas com camponeses da região. Produziram um jornal mimeografado chamado Luta camponesa. Organizam uma “Assembleia Popular” em Buriti para discutir a realização de uma “benfeitoria” através de um adjunto (mutirão). O objetivo desse mutirão era demonstrar “na prática” que “com o povo unido, se consegue muita coisa”, segundo Lamarca.

O capitão Lamarca, escondido num boqueirão na serra, estava bastante empolgado com o trabalho desenvolvido por Zequinha, Olderico, Otoniel e Santa Bárbara. Angustiava-se pelo isolamento, mas não o questionava. Nas suas cartas, mostrava satisfação com “a coletivização”, já que “colocamos em prática a moral revolucionária”. Essa “coletivização” de recursos como comida e material não era uma prática exclusivamente esquerdista e estava arraigada no comunitarismo camponês da região, baseada em preceitos cristãos e tradições indígenas. Lamarca não reclamava: “a minha prática me exige sacrifícios para os quais não espero compreensão paternalista, nem comiseração a Revolução me exige isso e eu quero fazer a Revolução”.

“Inicia – escreveu Lamarca em carta para Iara Iavelberg – com um companheiro a organização de um teatrinho que escrevi os textos ele já está ensaiando com uma turma e a massa está apoiando (...) chegará o dia em que participarei junto com a massa – educando, politizando, sofrendo, vencendo”. No 5 de agosto, o capitão registra que já iniciou o “ensaio do teatro”. As crianças “saem repetindo pela rua, já decoraram tudo”. Apesar da discrição e da cautela, ele não deixa de “dar conteúdo político” ao “teatro camponês”, ainda visto como uma experiência e com várias ideias para novos temas e símbolos.

Lamarca já sabia – e certamente Zequinha também – que o comunitarismo camponês da região podia ser a base para um movimento revolucionário. Em entrevista dada em junho de 1970, o mesmo afirmava que no campo “existe todo um passado de luta e de organização do trabalhador rural, que a classe dominante omite na nossa história”.

Lamarca também chamava atenção para o papel das mulheres na luta. Escreveu que a “preocupação, e respeito com a mulher que o camponês tem demonstrado, neste aspecto é superior ao operário afinal a mulher camponesa é também a companheiro de trabalho. A rigidez da massa aqui é impressionante, é lindo mesmo”. Essa informação, embora seja correta em seu conteúdo, tem um problema no julgamento. A percepção da mulher como companheira de trabalho não gera uma igualdade – e o capitão não diz isso – mas pode mesmo ser mais um aspecto da submissão feminina. Afinal, a participação da mulher nos trabalhos da roça não leva à participação do homem nos serviços domésticos – condição para uma igualdade plena. Se não houve uma igualdade de gênero entre os camponeses de Buriti, na qual provavelmente imperava uma divisão sexual do trabalho na roça, na casa de farinha de mandioca, na casa e na pecuária, isso não quer dizer que não havia um equilíbrio que de certa forma não desfavorecia enormemente as mulheres.

No dia 22 de julho, ele fala que no artigo que escreveu “para a massa, enfoquei que existem medrosos e etc”, mas observa uma peculiaridade da cultura camponesa de Buriti: “aqui o cabra pode está se borrando, mas não demonstra” e conclui “gosto desse povo”. Para Lamarca, “a macheza há que transformada em força para a Revolução”.

O movimento de Buriti não visava organização de um “foco de guerrilhas”, como muitos querem crer, mas de uma “Revolução Cultural” que fortalecesse as comunidades de forma coletiva e aumentasse seu nível cultural e sua capacidade de organização política. Para isso, organizaram o jornal, o teatro e a escola em que Santa Bárbara era o professor Roberto. Aí, mais do que ensinar a ler e escrever, organizava coletivamente e democraticamente festas como o dia das mães, a quadrilha do São João, tudo dentro dos limites da ditadura.

Os últimos 40 anos trouxeram modificações substanciais na região, no país e no mundo, mas a tarefa que Zequinha e seus irmãos e companheiros iniciou em 1969 – entendida aqui como elevação da capacidade de organização coletiva dos camponeses e potencialização de sua consciência política – ainda estão por fazer.

26 de out. de 2011

Estrada no Boqueirão da Canabrava





Impacto Ambiental ou “Desenvolvimento social” ? (A Indaga, nº 06)


As nascentes do riacho da Canabrava pedem socorro, pois as máquinas vêm para abrirem estrada será o “progresso”?

Sabemos que o trecho que liga a barragem ate a Grota do Mané José é onde ainda resistem vários minadouros, que não deixaram o nosso riacho secar por inteiro. Mas temos que redobrar o cuidado preservando e ampliando a fauna e flora, não destruindo. Podemos sentir na pele a destruição causada recentemente com a abertura da estrada para as roças da serra, na sede, no Brejinho e no Olho D’água. Começou com as máquinas e não pára.

Lá teve a conversa que foi feita para o escoamento dos produtos agrícolas, será isto mesmo? Ou será por causa dos donos das roças? Ou melhor, dos “ELEITORES”. As eleições estão próximas. Onde estão os projetos de assistência técnica para potencializar a produção os agricultores serranos preservando a serra e combatendo a erosão, que labutam em condições tão difíceis e produzem com dificuldade?

Ao contrário do que certas autoridades dizem por aí, o “desenvolvimento social” não é inimigo da preservação ambiental. Na verdade, o social depende do ambiental para existir e se os recursos naturais não forem preservados, toda a sociedade pagará um preço muito alto.

Qual será a Justificativa para abrirem estradas no leito do nosso querido riacho?

O projeto de reflorestamento Grota do Mané José que atua no boqueirão já se posicionou contra e diz que tal estrada não traria qualquer “benefício social”. “A revitalização da estrada, como reivindicam alguns donos de brejo, atrairia o indesejável cortejo de alguns endinheirados, desprovidos de qualquer compromisso com a preservação da natureza, para o fim exclusivo de praticar lazer predatório, deixando na área toda sorte de lixo, resíduos e dejetos humanos. A posição do Projeto visa fortalecer o poder público no sentido de resistir a eventuais pressões de proprietários de brejos. Em última instância, o Projeto Grota vai recorrer a Justiça para impedir qualquer intervenção na estrada” (Fonte: www.raizesdaserra.org.br. publicado em três de maio de 2011)

A Câmara Municipal aprovou o Código do Meio Ambiente em fevereiro de 2011. Essa lei determina que a realização do zoneamento ambiental para classificar as áreas do município que podem ser exploradas e as que serão protegidas. Somente depois da criação da Secretaria de Meio Ambiente e Turismo e do Conselho de Meio Ambiente é que será possível realizar qualquer medida que tenha impactos ambientais. Uma ação como colocar máquinas na principal nascente de riacho deve possuir a licença ambiental e só o Conselho pode liberá-la. Se a prefeitura realizar essa obra estará passando com o trator por cima da própria lei. Quando será criada a Secretaria e ativado o Conselho?

Temos que evitar que as nascentes do Canabrava sejam destruídas. Principalmente com a crise da barragem de Mirorós e o racionamento que estamos passando. Durante décadas, foi aquele boqueirão que abasteceu Uibaí de água doce. É uma área de interesse público e qualquer intervenção ali deve ser discutida de forma democrática com toda a comunidade uibaiense!