História da CEU-SSA


Moradia e resistência estudantil


Flávio Dantas Martins


Introdução

O objetivo desse texto, à sua época, era contextualizar a luta por moradia e assistência estudantil dos estudantes uibaienses, a partir da referência d história de luta da Casa dos Estudantes de Uibaí em Salvador. Escrito em 2006, na época estávamos recém saídos da luta pela aprovação do projeto de lei de iniciativa popular que criava uma política pública de assistência estudantil. O relato dos acontecimentos faz parte do texto. No período, o texto foi divulgado entre os residentes da CEUs. Desde então, o movimento estudantil entrou em uma crise profunda. A nova divulgação desse texto visa suplementar a formação política dos novos residentes e militantes do movimento estudantil de modo a minimizar o interregno entre novos e velhos moradores das Ceus.
A crise que se abateu no movimento estudantil deriva da derrota do MDCEU, o Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí, que congregava AEUSU – Associação dos Estudantes Universitários e Secundaristas de Uibaí, CEU – Casa dos Estudantes de Uibaí em Salvador, CEUBRAS - Casa dos Estudantes de Uibaí em Brasília, CEU-FSA – Casa dos Estudantes de Uibaí em Feira de Santana, CEU-JAC – Casa dos Estudantes de Uibaí em Jacobina, Grupo de Cidadania de Uibaí e Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Uibaí. Foi uma derrota em certa medida, embora tenha representado um avanço. Avançamos porque conseguimos um avanço de experiência de luta popular contra o Estado, através da auto-organização popular. Foram 2006 assinaturas num projeto de lei de iniciativa popular: durante os meses de janeiro até março de 2005, elaboramos o projeto, discutimos abertamente com a população e até convidamos o poder público para um debate público, tendo o mesmo se recusado a participar. Diante de tal número de assinaturas e da mobilização popular-estudantil nos dias de votação, conseguimos a aprovação unânime do projeto de lei em abril. Todavia, o prefeito Raul Bastos Machado Neto, que falou em palanque que apoiaria as Casas dos Estudantes de Uibaí resolver não cumprir a promessa. Vetou integralmente o projeto. Desmascaramos sua política: ao invés de assistência estudantil, os estudantes receberam do prefeito uma recepção da Polícia Civil, Polícia Militar, Guarda Municipal e Vigilância Ambiental em maio, quando retornaram a Uibaí para manifestar-se a favor da derrubada do veto pelos vereadores. Por sorte, nem os estudantes nem o povo sentiram-se intimidados com a recepção do prefeito. E percebemos que a ajuda às casas de estudantes prometida por Raul só seria feita com esmolas para os estudantes e aplausos para a prefeitura. Tivemos, portanto, um importante acontecimento de mobilização popular na nossa história.
Todavia, a derrota é um fato e não pode ser negada. Primeiro, porque não chegamos ao nosso objetivo que era a política pública de assistência estudantil. Segundo, porque o MDCEU sofreu um processo de esvaziamento e se conseguiu promover importantes debates nos Encontros de Estudantes em 2005 e 2006, não conseguiu fortalecer o espírito de solidariedade internamente nas Casas de Estudantes, não foi capaz de nenhuma outra ação efetiva contra a truculência do poder público municipal e não logrou nenhuma de suas propostas: desde a formação de uma frente de mobilização social no município até a reforma do estatuto da Aeusu. Além disso, a Aeusu, que puxava o restante das organizações sofreu um processo de desorganização interna que se agravou desde então. Por fim, as Casas de Estudantes sofrem uma crise terrível.
Tivemos em 2009, uma reanimação. Exemplos disso são a volta do Arraiá do Silvio Veio, organizado pela Aeusu, Ceu-Fsa, Ceu-Ssa e Ceu-Jac no São João, a refundação da Ceu-Fsa que havia sido fechada em 2008, a organização do Forroceu em Uibaí pela Ceu e, principalmente, a aprovação da lei 258/2009, que cria a política municipal de assistência estudantil universitária e pré-universitária a estudantes carentes. Todavia, esses acontecimentos não foram capazes de conter a desorganização interna: um crescente descrédito em relação às residências estudantis e a incapacidade de por em prática a política pública na área de moradia são sintomas da desorganização do movimento estudantil. Até agora, a lei só foi cumprida em seus artigos 6º e 7º que tratam de transporte para universitários da região e cursinho pré-vestibular gratuito, respectivamente.
O presente texto sofre de diversos problemas historiográficos e já se escreveu e pesquisou muita coisa da região desde então. Preservo o mesmo como foi escrito, já que é um documento daqueles acontecimentos. Além do que, o público a que se destina é menos o de historiadores e mais o de estudantes. Diante dessa crise, surge a necessidade de ser olhar pro passado, não com saudosismo ou prepotência, mas como aprendizado para não cometer os mesmos erros que podem ser a inércia ou a organização ineficiente. Se o presente texto servir em alguma medida para que alguns previnam-se desses erros, ele terá em muito cumprido sua finalidade.

Irecê, verão de 2010

“Para fazer história, virem resolutamente as costas ao passado e antes de mais, vivam. Envolvam-se na vida.”
Lucien Febvre, historiador francês

             I.      Apresentação
Um importante aniversário se completa em 06 de maio. No ano de 2005, esse dia foi bastante esperado pelos estudantes e pelo povo uibaiense. Esperado com esperança, com ansiedade, com correria para a viabilização das viagens. Todos sabiam que o dia da votação do veto do prefeito municipal Raul Machado ao projeto de lei de iniciativa popular sobre assistência estudantil não seria um dia qualquer. E de fato não o foi.
Dores, emoções, sentimentos de amor e de ódio, de indignação e de medo se misturaram. O resultado da votação, cinco votos contra quatro, que manteve o veto a um projeto subscrito com 2.006 assinaturas gerou decepção, choro, tristeza, revolta. O 06 de maio de 2005 representa uma data que sintetiza uma trajetória de acúmulo de luta dos movimentos sociais uibaienses durante décadas. Naquele dia ninguém podia ficar livre de tomar posição. Não poucos se entregaram de cabeça em defesa do projeto de iniciativa popular. Muitos – bem mais que os 2006 que assinaram – apoiaram a reivindicação. Poucos tiveram coragem de dizer que eram contra, se ocultando em uma retórica vulgar e mentirosa de que “o projeto da forma como está não é viável”, “a prefeitura não tem condições atualmente” mascarando seu desinteresse com relação à causa estudantil, mas impossibilitados de se postarem contra uma reivindicação tão justa e tão encarnada em amplos setores da população de Uibaí.
Cabe agora fazer um balanço histórico desse dia e desse movimento. Traze-lo à luz da história para entender que o 06 de maio de 2005 não ocorreu por acaso. Responder à questões do tipo: porque a reivindicação por assistência estudantil ganhou tanta força e tanta adesão da população de Uibaí?; por que apesar de tal força, o poder público municipal se posiciona absolutamente contra tal reivindicação e a razão dela não ter sido conquistada pelo movimento estudantil uibaiense?
Essa é uma história que desprivilegia as grandes personalidades, os grandes feitos, as estruturas econômicas, já que parte do pressuposto de que a história é construída por homens e mulheres que herdaram ou entraram involuntariamente em condições de atuação limitadas e que respondem à sua experiência de acordo com a sua consciência[1]. Ela parte da premissa marxiana de que “Os homens fazem sua história, mas não da forma como desejam, mas sob condições herdadas do passado”[2]. Em termos metodológicos propomos a reconstrução de uma lógica histórica na qual dialogam teoria e evidências[3].
Os leitores, especialistas ou não, terão toda razão em apontar diversas falhas e antecipamos algumas: trato por demais generalizante, em que “a” Ceu, ou “o” Grupo da Prefeitura aparecem como grupos onde não havia divergências, mas que na verdade viviam um conflito interno tenso, que não aparece no texto. A Ceu, sobretudo, é vista como um sujeito coletivo que atua em Uibaí, mas é secundarizada a diversidade interna. Por último, certamente alguns imputarão ao autor o pecado da parcialidade, que o texto não é neutro, mas assume uma posição: embora caiba chamar atenção aos erros de análise que vem desse comprometimento, essa acusação de falta de neutralidade é mais um elogio e não é outro nosso objetivo senão contribuir com a luta dos setores populares por educação, por dignidade, por uma nova vida, sobretudo aqueles setores mais pobres da sociedade que sequer tiveram oportunidade de estudar o primário e que jamais terão acesso a uma universidade pública de qualidade. Ironicamente, é a esses que esse trabalho é dedicado.
Nós temos uma consideração sobre a CEUBRAS – Casa dos Estudantes de Uibaí em Brasília. Nossa tentativa de resposta às questões propostas toma como lócus de análise a história da CEU – Casa dos Estudantes de Uibaí em Salvador, visto também a nossa impossibilidade de ter acesso aos arquivos da Ceubras que estão em Brasília e que o acesso parcial a estes seria insuficiente para realizar um trabalho à altura do que esta entidade merece, mas principalmente pelo vulto que tal trabalho tomaria, além das nossas modestas pretensões nesse ensaio. Mas mencionamos a Ceubras diversas vezes, por que é impossível falar de história recente de Uibaí sem mencioná-la, sobretudo quando se trata de movimentos sociais. Na década de 80, praticamente a CEU e a Ceubras foram entidades de atuação conjunta, seja no apoio da organização das associações comunitárias de trabalhadores rurais no município, seja em eventos conjuntos como as Seacs, seja na organização do São João. Entretanto, os motivos acima mencionados, assim como as especificidades que são inerentes à lógica particular do processo histórico da Ceubras nos impedem de generalizar as conclusões que tiraremos sobre a função que a CEU desempenhou no município.
Tão pouco é nossa intenção escrever uma história dos movimentos sociais e culturais, ou da esquerda uibaienses. Citamos diversos movimentos ocorridos em Uibaí desde a década de 70, mas não foi a nossa intenção o levantamento exaustivo dos mesmos, mas somente recorremos a eles com o intuito de estabelecer alguma relação necessária para explicar o nosso objetivo. Assim, os movimentos, grupos e eventos que não foram citados no presente trabalho não são menos importantes, nem é nosso objetivo dar-lhes um papel menor. Simplesmente não os citamos por não julgar conveniente em termos do espaço deste trabalho, da sua intenção e, principalmente, por simples ignorância dos mesmos, já que a pesquisa não foi exaustiva.
Com relação às fontes, nos restringimos a algumas entrevistas e, sobretudo, a fontes escritas do arquivo da AEUSU – Associação dos Estudantes Universitários e Secundaristas de Uibaí - e da CEU em Salvador e de acervo pessoal. Não por julgarmos as fontes orais menos importantes que as escritas, mas pela complexidade e pela demanda de tempo que os documentos orais demandam. Assim, deixamos os testemunhos dos protagonistas dessa história – os residentes e o povo de Uibaí que participaram (in)diretamente dos acontecimentos – para os próximos interessados em adentrar nesse tema de pesquisa. Em textos voltados para o público não especializado é comum a retirada das notas. Optamos por mantê-las para dar uma idéia de onde cada informação foi extraída, assim como para facilitar a consulta ao material utilizado por eventuais interessados.

          II.      Uibaí: um pouco de história


“Enquanto os leões não formarem seus historiadores, as histórias das caçadas serão contadas pelos caçadores”
autor desconhecido

A literatura histórica existente sobre o sertão da Bahia constitui-se em sua maioria por escritos de memórias realizados por leigos com certas características específicas. Em geral, são escritos sem procedimentos metodológicos e vinculações teóricas suficientes para serem científicos embora certas vezes se considerem como tal[4]. Embora alguns se reivindiquem como donos da verdade, isentos dos preconceitos para com seu objeto de estudo e neutros nas disputas políticas que pretendem relatar, enquanto que outra boa parte deles inicia se desculpando pela parcialidade e pela paixão do autor, ambos, geralmente, pretendem legitimar tal ou qual grupo político, são bastante parciais, apaixonados e tendenciosos para uma posição política específica e/ou afetiva pessoal. São caracteristicamente descritivos dos grandes acontecimentos, das biografias dos grandes vultos, dos fundadores e das datas importantes. São carregados de saudosismo, exaltação e ufanismo para com a terra local[5]. Aspectos dos positivistas com sua história acontecimental, embora baseada na oralidade, com aspectos dos folcloristas com suas narrativas do pitoresco, combinam-se com o cronista. Erivaldo Neves[6] os caracterizou como estudos corográficos com ênfase na mescla da descrição dos aspectos geográficos e históricos das localidades sob a influência do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e seus similares nos Estados.
A historiografia, ou seja, as pesquisas históricas realizadas com procedimentos teóricos e metodológicos próprios da Academia que garantem à História o status de disciplina, que trata do sertão da Bahia são raras. Embora no Estado já contemos com pelo menos um século de produção de historiadores, e umas três décadas de intensificação de estudos históricos sobre o Estado, a temática se circunscreve espacialmente em Salvador e no Recôncavo baiano. São raríssimos os estudos sobre o Sertão da Bahia. Escrever sobre a história dos sertanejos é, sobretudo, escrever a história de marginalizados da historiografia.
Se pensarmos mais especificamente na região de Irecê, contamos com alguns estudos em andamento e uns poucos concluídos no âmbito universitário, além de alguns que foram realizados com o uso de conceitos e metodologia próprios das ciências humanas. A maior parte do material publicado próprio para pesquisa histórica é essa literatura de memória histórica e com base neles é que iniciamos o debate sobre a formação do município de Uibaí.
O povoamento do sertão da Bahia se deu através de fazendas de gado e da exploração de minérios no interior. “O primeiro vetor de povoamento e ocupação econômica acompanhou a pecuária pelos baixios do são Francisco e subiu seus afluentes”[7].As fazendas de gado que foram importantes no povoamento do interior baiano, não se distanciavam muito das margens dos rios. Um dos principais pontos de entrada do sertão foi o Rio São Francisco. As boiadas adentravam o Velho Chico e seus afluentes[8]. Desse processo de povoamento das margens da bacia franciscana pelo invasor português, que se constitui em um despovoamento das populações nativas combinado com a exploração de minas no sertão, foi gerada uma dinâmica comercial capaz de engendrar núcleos povoados de importância no sertão da Bahia. Essa movimentação comercial que constituía um mercado interno dinâmico é geralmente ignorada pela historiografia colonial mais consagrada que destacam a lógica de um Brasil voltado para fora[9]. Um importante núcleo destes foi a povoação de Xique-Xique.
Era Xique-Xique a praça comercial, o destino do excedente produzido nos arredores e o centro político de uma vasta região, o Médio São Francisco[10]. A ocupação da região que são hoje os municípios de Uibaí, São Gabriel, Central, Presidente Dutra, para citar alguns, teve início ainda em meados do século XIX nas terras do gigantesco município xique-xiquense.
A crise aurífera da Serra do Assuruá, importante região mineradora do sertão que alimentava parte do comércio de Xique-Xique e empregava um razoável contingente de trabalhadores em relações ainda norteadas pelo escravismo foi um dos fatores determinantes para a transformação do garimpeiro em trabalhador rural[11]. Importantes famílias que fundaram os povoados da região eram oriundas da área serrana do Assuruá, – que hoje compreende o município de Gentio do Ouro – embora, nem todos se vinculassem diretamente à atividade mineradora.
A fundação de sítios na região era uma alternativa de sobrevivência de pequenos proprietários razoavelmente estabelecidos que traziam sua família e objetivavam plantar roças e criar animais para sua subsistência e com o excedente produzido adquirir na praça de Xique-Xique alguns produtos e ferramentas que não podiam produzir. Assim foram estabelecidos alguns sítios que mais tarde se tornaram povoados a exemplo de Olho d’Água, de Gonçalo José (1844), Canabrava, de Venceslau Machado (1847), Riacho d’Areia, de Raimundo Pereira da Rocha (1854), Roça de Dentro, de Izidro José Ferreira (1870), São Gabriel, de José Pereira da Rocha (1873) e Lagoa de Canabrava (1890)[12].
Embora conste a propriedade de escravos na região – quando Venceslau faleceu em 1849 havia três escravos entre suas posses[13] e o uso do escravo Domingos Cabra como “moeda” na compra das terras da fazenda São Gabriel em 1873[14] atestam isso – os novos habitantes eram pequenos e médios proprietários que trabalhavam diretamente na terra e viviam dela, plantando roças e criando animais. Não é possível falar de estratificação social interna nesse primeiro período nos povoados nascentes, embora a região estivesse inserida em um contexto mais amplo de divisão social do trabalho. Internamente podemos falar somente de uma divisão sexual do trabalho onde as tarefas da roça e da criação eram destinadas aos homens e os trabalhos domésticos se reservavam às mulheres, sendo que nas famílias mais pobres essas últimas também iam para a roça[15].
Os trabalhadores rurais da região de Canabrava – chamados de catingueiros – plantavam milho, feijão de corda, mandioca, produtos que “constituiram a base da alimentação dos canabrabeiros”. Ao lado da criação de alguns animais, “Até o início do século XX, a agricultura praticada era quase exclusivamente de subsistência”[16].
Diferentemente do que afirma Osvaldo Rocha e Edimário Oliveira em seu livro Canabrava do Gonçalo, esta região não vivia em “total isolamento” nem era “pacata”[17]. Ainda no século XIX, houve conflito e tensões movidas pelas principais riquezas que podiam possuir ao lado de sua força de trabalho: a terra e a água. Além da tensão pela posse das terras de Roça de Dentro narradas pelos próprios autores[18], é possível identificar conflitos que redundaram em assassinatos nos quais a disputa de terra e água foi determinante[19].
Entretanto, foi somente no século XX que a região sofreu com a intensificação da violência e o acirramento da disputa pelo poder político de Canabrava. A influência da maniçoba transformaria profundamente as localidades ao pé da Serras das Laranjeiras ou Serra Azul. A exploração do látex da maniçoba nas caatingas do alto e no pé das serras para a produção de borracha que teve início em 1904 e que até o início da primeira guerra mundial (1914) foi uma atividade econômica próspera que atraiu um numeroso contingente de migrantes para essas terras. Eles ergueram povoados no alto da serra entre as localidades de Guigó (Iguitú), Olho d’Água e Poço, na região hoje conhecida como Nova Olinda. Foram estabelecidos vários barracões que comercializam borracha, alimentos e empregavam os trabalhadores, chamados de maniçobeiros, em um sistema que lembra a escravidão por dívida. Alguns barracões ficaram registrados na memória local, como o de Brito, o de Mendonça, o de Rodolfo e o da “velha” Nova Olinda[20].
A demanda por borracha para a confecção de pneumáticos pela indústria automobilística da Europa e dos Estados Unidos gerou uma intensa atividade extrativista de borracha, sendo a principal zona produtora a Amazônia brasileira[21]. No sertão da Bahia algumas regiões de extração de látex da maniçoba se formaram para suplementar a produção da borracha amazônica. Além da zona de Canabrava e Olho d’Água do Gonçalo no município de Xique-Xique havia produção de borracha sertaneja próximo à Tiririca (hoje Itaguaçu). Ambas escoavam sua produção em animais ou a pé até o porto de Xique-Xique que seguiam por via fluvial até Juazeiro para de lá ser transportada pela ferrovia Bahia ao São Francisco até Salvador por onde era exportada. Seu escoamento por essa estrada de ferro chegou a 1.238.000 quilos em 1907[22]. O ano em que a maior quantidade de borracha foi exportada pelo Estado da Bahia a soma alcançou 1.444.143 quilos[23]. Isso dá uma idéia da importância que o município de Xique-Xique – e a região de Canabrava – tiveram na produção da borracha sertaneja, embora não se desconsidere a possibilidade de escoamento da produção pelo porto de Recife.
A transformação da região de Canabrava do Gonçalo advinda da borracha sertaneja abrange a crise da economia de subsistência da região. Esta não estava preparada para produzir um excedente de modo a alimentar os inúmeros trabalhadores que vieram habitar a região. Vários braços antes dedicados à lavoura também foram transferidos para a exploração da maniçoba e isso gerou uma escassez de alimentos e uma carestia dos gêneros básicos, transformando também a produção de gêneros alimentícios uma atividade relativamente lucrativa.

Ignora esse mercado
É maniçoba sem lavá
A mil réis, a dois cruzado
Todo mundo qué comprá
Por causa da maniçoba
Fez farinha cariá

(...)

Kilo e meio de maniçoba
É dinhero pur dimais
Dinhero de maniçoba
Faz as vêis de satanás
E quem num esquecê da roça
Ôto tanto tamém faz[24]

 A chegada de trabalhadores dos mais diversos locais do sertão – sendo que parte deles se estabeleceu na região de Canabrava – causou na população um impacto violento. Um dos fatores mais marcantes na memória local foi a extrema violência que caracterizou o período. Uma multidão de trabalhadores sem família, em uma região onde não havia ainda o Estado e seus aparatos de repressão, oriundos de uma cultura violenta, em terras onde faltavam mulheres e sobravam bebidas alcoólicas se envolviam nos “baruios” freqüentes.

Já fui ao Barro Vermeio
Pra minha capanga fazê
A cachaça era tanta
Que eu não pude me entretê
Cada hora e cada instante
De eu vê gente morrê
(...)
Orrô de facada e tiro
Tamo veno a todo instante
(...)
Dinhero de maniçoba
Faz as vêis de diamante[25]

Os trabalhadores da borracha não foram os únicos que brigaram violentamente durante esse período. Os descendentes de Venceslau – fundador de Canabrava – estavam envolvidos na disputa no interior do Estado entre os coronéis do Sertão. Canabrabeiros, a exemplo de Abílio Machado[26], lutaram no cerco de Barra do Mendes em 1919 em que os jagunços de Horácio de Matos, chefe das Lavras Diamantinas sitiaram e destruíram a sede do poder do coronel Militão Coelho[27]. Internamente, dois chefes políticos – primos carnais – disputavam a liderança em Canabrava, representando os dois “partidos” que havia no sertão: os mosquitos de Militão e os mandiocas de Horácio. Essa disputa foi o “batismo de sangue” de Canabrava e contou algumas baixas de ambos os lados, terminando com a morte de um dos chefes – Jóvito Machado, morto em 1916 – e a retirada do outro – Bejamim Machado[28].
A Canabrava camponesa, de trabalho familiar de subsistência dava lugar à Uibaí com algumas manufaturas como engenhos (com destaque para os 20 da Quixabeira[29]), casas de farinha, fazendas com produção voltada para o comércio que empregavam dezenas de trabalhadores como a de Zezinho no Caldeirão[30], uma feira e alguns estabelecimentos comerciais.
O destaque que Uibaí ganhava no contexto político do município de Xique-Xique se evidencia pelos seus representantes no Poder Legislativo. Compunham a Câmara de Veradores representando Uibaí durante o exercício 1948-1951, Marinho Pereira de Carvalho que foi presidente da Câmara em 1948 chegando a ser prefeito interino e Domingos Leandro Machado. Durante o mandato 1951-1955, Domingos Leandro e Pedro Rocha foram os vereadores, sendo que o primeiro foi presidente da Câmara. Pedro Rocha também esteve nesse cargo durante seu segundo mandato de vereador entre 1955-1959 que foi interrompido em 1958, com a fundação e as eleições do Município de Central, do qual Uibaí era um distrito. Também foram vereadores nesse mandato Eliezer Rocha e Pedro Machado[31]. Todos esses eram comerciantes e proprietários de terras em Uibaí relativamente prósperos. Compunham, portanto, a camada dominante nos quesitos econômico e no político. Embora fossem os chefes locais de uma região importante nas terras de Xique-Xique e desde a influência da maniçoba Uibaí se configurava enquanto um centro gravitacional de uma região que hoje abrange os municípios de Uibaí, Central e P. Dutra[32] eram, entretanto, subordinados às classes dominantes de Xique-Xique. A emancipação de um município nessa região era a “emancipação” política de sua camada dominante econômica que passaria a se relacionar mais diretamente com o poder estadual.
Em 1958, foi desmembrado de Xique-Xique o Município de Central, do qual fazia parte a vila de Uibaí. Em disputa pela prefeitura entraram Pedro Rocha, pela vila de Uibaí e Euzébio, pela sede do município, Central. Como destaca Cassimiro Machado Neto, em Xique-Xique “... o sistema eleitoral ainda conservava algumas chances para o engodo, a falcatrua e a fraude, além de privar determinadas categorias de direito ao voto”[33]. A eleição foi fraudada. Nas palavras do próprio Pedro Rocha

Recordando a eleição de 1958
das fraudes vergonhosas e exageradas
onde as urnas do município de Central
foram todas roubadas
1.305 chapas de Pedro Rocha
com dois X foram anuladas[34]

A reação à fraude foi a articulação do grupo de Pedro Rocha com apoio do deputado estadual Djalma Bessa pela emancipação de um município com sede em Uibaí. O resultado dessa articulação foi a fundação do município em 1961. O primeiro prefeito eleito foi Pedro Rocha. Uibaí montava sua estrutura administrativa e inaugurava uma nova fase de sua história. A sua camada dominante tinha em mãos o poder público e a partir daí o usariam para se fortalecer. Manoel Irineu Machado, o poeta Nezim poetizou a eleição de Pedro Rocha.

“Amigo, Pedro da Rocha
avise seus companheiro
faça eleição com’a’era
seus votos serão ligeiro
e você será prefeito
e os outros será baxêro

Parece que no partido
Tem aguia a cutucar
Minininho cutuca manso
Como cutuca preá
E o povo desse partido
Tem abuso e não vai lá

Parece que tá dormindo
Ou está de brincadeira
Botaro o moço contráro
Que tem uma caxingueira
E o Garganta Otávio
Que é o pai da mufunbêra

De Israel eu vó fala
Aquele amigo de Pedro
De todos é o mais fiel
Porque não existe medo
Quem falá de Pedro Rocha
Ele desfez o enredo”[35]

       III.      a formação da CEU: reprodução das camadas dominantes do interior


Quando faleceu em 2004, Pedro da Rocha Machado foi lembrado por ter sido além de fundador do município de Uibaí, sobretudo, pela sua contribuição e pelo seu ideário para com a educação de Uibaí[36]. De fato, foi durante a sua gestão que importantes realizações na área da educação foram realizadas. É do período do seu mandato a implantação da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, a CNEC, uma das primeiras escolas secundaristas da região. Quando terminou seu mandato, o prefeito seguinte, João Ferreira, comerciante, foi apoiado por Pedro Rocha, entre outras coisas, com o acordo de que o novo prefeito se responsabilizaria pela manutenção do CNEC[37] e de uma Casa dos Estudantes em Salvador[38].
A preocupação das camadas dominantes de Uibaí com a educação e o lugar de destaque que essa possuía não é uma novidade do mandato de Pedro Rocha. Articulada em 1949 pelo vereador Domingos Leandro Machado foi criado o Prédio Rural (atual  Escola Eurico Dutra) com ensino primário. Cassimira Maria Machado (1902-1990), professora, alfabetizou os meninos de Uibaí – e pela primeira vez, as meninas – durante 7 décadas, gozava de uma enorme autoridade religiosa e política. Isso é um sinal da importância da educação para as camadas dominantes locais. Recebia cartas de deputados com solicitação de seu apoio[39]. Essa importância que as camadas dominantes e outros setores da sociedade canabrabense atribuíam a educação, fazendo questão de alfabetizar seus filhos não advém somente do idealismo de seus líderes – Pedro Rocha desejava uma Universidade no município – mas de necessidades de se reproduzir enquanto camada dominante por meio da educação. O idealismo dos homens também faz a história. Mas quando o faz, faz sob condições herdadas do passado. Entretanto, essa história não ocorreu somente em Uibaí, embora as determinações de seu desenvolvimento estejam dadas aí. Vamos, portanto, ver o que ocorria, paralela e articuladamente na capital do Estado.

Salvador. Bairro do Tororó. 06 de janeiro de 1973. Estudantes universitários e secundaristas naturais de Uibaí[40] realizam assembléia com a finalidade de fundar a Associação dos Estudantes Universitários e Secundaristas de Uibaí. Nessa assembléia “... em ambiente de harmonia e bem comum, para melhorar as despesas dos Universitários e Secundaristas de Uibaí reuniram os estudantes (...) para o fim especial de fundar uma Associação, para criação da Casa dos Estudantes de Uibaí”.[41]
Boa parte dos presentes era ou seria estudante da Universidade Federal da Bahia. A diretoria da Associação ficou composta por três estudantes de Medicina, um de Engenharia Civil, dois de Agronomia, entre outros. Seus pais em Uibaí eram vereadores, ex-vereadores, prefeito e ex-prefeito tanto no município de Uibaí, quanto no município de Xique-Xique antes da emancipação. Esses políticos eram, por sua vez, os comerciantes e proprietários rurais de relevância no município. Eram esses estudantes, portanto, a camada dominante local.
A princípio, a CEU contou com apoio total do Poder Público Municipal. Por várias razões, dentre elas, o fato de o prefeito José Ferreira possuir dois filhos – Hamilton e Eládio – residentes na CEU. Também, o seu antecessor, Pedro Rocha Machado, possuía filhos residentes na CEU, em número de três: Pedro, Tarcísio e André. De acordo com Antônio M. Souza, a fundação da CEU foi bem vista e incentivada por João Ferreira.[42]
Detectando a origem social dos 17 residentes-fundadores, há os já citados 3 filhos de um ex-prefeito e comerciante; 2 filhos do prefeito do período, também comerciante; como também os 4 filhos de Domingos Leandro Machado, vereador, fazendeiro e comerciante; 1 filho de funcionário público e secretário-geral da Prefeitura; e outros 7, todos filhos de comerciantes bem-sucedidos da cidade. Trata-se, portanto, de filhos da camada dominante comercial e camponesa, que além da classe dominante econômica, era quem fornecia os quadros políticos do poder público municipal.
Uma residência estudantil de estudantes do interior na capital não foi um fenômeno isolado dos uibaienses. Na documentação da CIVUB – Confederação Interiorana de Vestibulandos e Universitários da Bahia, uma entidade que integrava as várias residências estudantis do interior através de atividades esportivas, culturais, festivas e políticas, consta um número significativo de municípios. Para citar os que mais atuavam no interior da CIVUB, além de Uibaí – a documentação está arquivada na CEU – podemos citar São Francisco do Conde, Ipirá, Feira de Santana, Xique-Xique, Ibiúna, Jequié, Juazeiro, Presidente Dutra, Irecê, Barra do Mendes, Itabuna, Caetité, Itaberaba, Jacobina, Barra, etc.[43]
Não sabemos precisamente quantas residências estudantis do interior havia em Salvador durante as décadas de 70 e 80. Tampouco quantas delas recebiam financiamento público municipal, nem em que consistia esse financiamento. Entretanto, por indicações na documentação da época, percebemos que boa parte delas reúne algumas características que podem ser generalizadas. Recortes de jornais arquivados na CEU[44] contém reportagens que indicam enquanto aspectos gerais das residências do interior problemas como precariedade das condições de vida dos estudantes, más condições dos prédios que eram sede das residências, aproveitamento eleitoral pelos prefeitos, poucos recursos destinados às residências e irregularidade no seu fornecimento. Assim, se na década de 80 as casas de estudantes de várias cidades do interior passam por dificuldades financeiras semelhantes, temos motivos pra crer que durante a década de 70 elas foram implantadas de forma semelhante.
Podemos afirmar, portanto, que durante a década de 70, as camadas dominantes dos municípios do interior do Estado da Bahia, por meio do poder público municipal, articularam residências estudantis como meios de propiciar aos seus jovens o acesso aos estudos universitários de modo a se reproduzirem enquanto classe dominante. A política de assistência estudantil das prefeituras municipais durante esse período são em benefício da camada dominante. Assim, uma política pública de assistência estudantil da forma como é entendida hoje, ou seja, como meio de se garantir a permanência de estudantes das camadas subalternas na universidade é bem distinta daquela das residências estudantis do interior em Salvador. Durante os anos 70, essa política de “assistência estudantil” era voltada, sobretudo, para os filhos da camada dominante do município, ainda que esta camada dominante local não não tenha o mesmo poder político e econômica da classe dominante do Estado.

       IV.      anos 80: à deriva; à esquerda


Em 10 de setembro de 1985, o prefeito municipal Hamilton Ferreira Machado em correspondência à Aeusu comunicava o corte do repasse de recursos para manutenção das CEU. Alegando que “durante dois anos e meio não foi executada nenhuma tarefa social, neste Município, por parte dos Estudantes”, que na capital, o “atendimento ao povo carente, principalmente doente, deixou muito a desejar”, que a “falta de um diálogo sadio, com sugestões e não com críticas infrutíferas” entre os residentes e a prefeitura municipal eram motivos para concluir que “não há mais possibilidade de a Prefeitura assumir o pagamento do aluguel do imóvel sede dessa Casa do Estudante”[45].
Esse documento expressa o fim de um tempo: o do financiamento público da Casa dos Estudantes de Uibaí em Salvador. Embora alguns tipos de financiamento público houvessem sido oferecidos até 1992 – com o corte definitivo realizado pelo prefeito e ex-residente Renato Domingos[46] – durante todo o 1º mandato de Hamilton Machado (1982-1988), também ex-residente, o financiamento sofreu cortes e reduções sistemáticas de forma que a quantia oriunda do poder público, quando vinha, já não correspondia a uma renda fixa e estável, de modo, que se deduz que desde o início dos anos 80, a CEU já era mantida e se mantinha com o auto-financiamento dos estudantes[47]. Destaca-se que o declínio do financiamento do alueguel pelo Poder Executivo Municipal tem início no segundo mandato de Domingão. A tabela abaixo dá uma idéia do interesse e do apoio fornecido pela prefeitura municipal junto à CEU.

Tabela de percentual de financiamento do aluguel da CEU pela Prefeitura de Uibaí[48]

Ano

Percentual de pagamento do aluguel da CEU
1973
100 %
1974
100 %
1975
100 %
1976
84 %
1977
71 %
1978
55 %
1979
49 %
1980
35 %
1981
0 %
Fonte: Pela Sobrevivência da CEU. (Panfleto). Salvador, AEUSU, 14/06/1973

O corte de recursos em 1985, embora se defina como definititivo, não foi a última forma de apoio que a prefeitura municipal forneceu a CEU. A mobilização estudantil, reivindicando frequentemente o retorno de uma assistência estudantil estável e a pressão interna na sociedade uibaiense propiciou até o início dos anos 90, avanços e retrocessos para ambos os lados em disputa. De um lado, os residentes da CEU exigindo apoio financeiro e do outra o prefeito Hamilton teimando em cortá-lo. O fim do litígio se deu somente com a compra da sede própria no Largo do 2 de julho, na Rua do Sodré. O “Projeto de Lei nº 04/92, de 13 de agosto de 1992, pelo qual o Poder Executivo Municipal solicita abertura de Crédito Especial (...) para aquisição de um imóvel em Salvador, destinado à CEU (...) e que observamos sua inteira viabilidade”, de acordo com o vereador Edson Maciel Filho, relator da Comissão de Orçamento e Finanças em  agosto de 1992[49] foi o último ato do poder público municipal voltado para assistência estudantil. É o alheamento do poder público para com uma responsabilidade que ele havia estabelecido como sua desde 1973 e representa tanto a estratégia de satisfazer uma exigência dos estudantes – que reivindicavam o pagamento integral do aluguel – com a aquisição da sede própria como o fruto da pressão e da luta dos estudantes e de setores da sociedade uibaiense pela defesa da CEU.
Também é nesse período (início dos anos 80) que há uma mudança orientação ideológica da CEU e da CIVUB, percebida nas suas publicações. Desde os anos 70, havia estudantes com prática e ideologia política de esquerda na CEU, mas esta se consolida e se homogeiniza em um grupo no início da década de 80. A participação das entidades na Campanha Diretas Já. A presença de um dos residentes – Enoch Carneiro – no Movimento Poetas da Praça, movimento político-artístico de contestação à censura e pela liberdade de expressão de poetas na Praça da Piedade em Salvador também é um sinal de que um clima de politização de esquerda era interno à CEU.
O contexto político dos anos 80 influencia de forma determinante na participação política militante dos residentes da CEU sob uma orientação ideológica de esquerda. Afinal, os anos 80 foram os anos em que os movimentos sociais brasileiros – e particularmente o movimento operário e estudantil – ressurgem com força expressiva na pressão pela desarticulação do regime militar e das reivindicações das massas pela democratização e pela abertura política.
É constante nas publicações da CEU e da CIVUB a reivindicação pelo restabelecimento de uma política de assistência estudantil para as residências do interior, a solicitação do apoio de todos para que as residências estudantis sejam mantidas, para que o aumento da precariedade seja detido, para que as condições mínimas de dignidade sejam oferecidas aos estudantes residentes.
Entre 1980 e 1984 fecham várias residências, sendo que alguns estudantes requisitam vaga temporária à CEU, que recusa, alegando insuficiência em sua estrutura. Em assembléia em 1 de setembro de 1984, foi proposto o “acolhimento de 5 (cinco) residentes da Casa do Estudante de Presidente Dutra, prestes a fechar, por um período de quatro meses (...) houve unanimidade de quanto ao fato de que todas as residências estudantis passam por momentos de gravíssimas dificuldades sobre todos os aspectos”. Por 5 votos contra 4, com 6 abstenções, não foram acolhidos os residentes de Presidente Dutra, “mas [a CEU] apoiará a sua luta pela sua manutenção”[50].
Paralelo a isso, várias pessoas da elite de Uibaí adquirem apartamentos em Salvador para transformá-los em repúblicas[51], “moradias estudantis montadas e sustentadas por estudantes (...) com o fim de garantir a permanência desses estudantes nas escolas ou faculdades até que findem seus cursos”, onde as “relações são pautadas por coleguismo e parentesco”[52]. A CEU não se constituía mais como o principal foco de atração dos filhos da camada dominante do Município.
O decréscimo proporcional da participação do poder público municipal no financiamento da CEU ocorre na medida em que as camadas dominantes de Uibaí articulam novas alternativas de moradia para os seus filhos – notadamente as repúblicas e principalmente os apartamentos próprios.
A CEU passa a configurar-se enquanto espaço de organização dos residentes e de sua auto-gestão. Nota-se que perpassa durante toda a década de 80, uma tensão entre prefeitura e residentes permeada pela disputa de mais ou menos recursos para manutenção do aluguel da Casa. Jovens oriundos das camadas dominantes do município ainda fazem uso da CEU para moradia convivendo com aqueles filhos da classe média baixa e trabalhadores pobres da sede, vila e povoados, que a partir de meados dos anos 80, foram estudar em Salvador e residir na CEU[53]. Isso influencia de forma decisiva a formação de uma ideologia política e uma prática política de esquerda no quadro de residentes. Podemos enumerar algumas práticas políticas de esquerda realizadas por residentes da CEU durante os anos 80 em Uibaí.
A articulação do Movimento Democrático Brasileiro em Uibaí no início dos anos 80 em torno da candidatura de Bernadete Alves, trabalhadora uibaiense, teve participação de alguns estudantes e residentes da CEU[54] e representa mais uma intervenção dos estudantes na vida política uibaiense com uma orientação ideológica à esquerda, iniciada em 1976, com a militância de estudantes nas eleições de 1976, quando o candidato de oposição era o advogado Osvaldo Alencar[55].
No plano da literatura, podemos destacar o lançamento e a circulação dos livros de Enoch Carneiro. A poesia de Enoch faz parte do Movimento Poetas da Praça e da Poesia Marginal, que “desenvolve-se sob a mira da polícia (...) como forma de denúncia e protesto (...) uma poesia inquieta, anarquica, contra as portas fechadas da ditadura militar”[56]. Não se pode desprezar a função de propaganda ideológica que os livros de poesia de Enoch exerceram sobre os jovens uibaienses.
Dando prosseguimento às atividades recreativas e esportivas desenvolvidas pelos residentes da CEU em Uibaí desde os seus primeiros anos, – nota-se a criação, na segunda metade da década de 70, do São João de Praça, como a realização de campeonatos[57] e outros eventos festivos[58] – mas com um viés extremamente politizado e com uma vinculação claramente de esquerda temos a realização das Semanas de Arte e Cultura de Uibaí, as SEACs. Embora a Aeusu e a CEU não tenham participado enquanto entidades na idealização e realização da primeira SEAC, em janeiro de 1988, houve a participação de um “Grupo de Estudantes de Salvador” ao lado da CEUBRAS, do Grupo de Integração Comunitária, do Grêmio e do Grupo de Jovens da Igreja. A CEU, entretanto, participou da realização das SEACs seguintes (1989-1994 e 2004)[59]. As SEACs eram um espaço de lazer, mas também de mobilização da sociedade para discussão de problemas da sociedade uibaiense e afirmação de contra-culturas. Palestras sobre Teologia da Libertação, peças de conteúdo político ideológico de esquerda do Grupo Teatro Vida, como a Socialmente Grávida em 1988 foram atividades que caracterizam a opção militante da I SEAC[60]. A última edição da década de 90 se deu em 1994[61].
Os 16 Encontros da Comunidade Uibaiense em Salvador – ECUS organizados por residentes, estudantes e ex-residentes da CEU em Salvador para discutir problemas de ordem diversa, sobretudo aqueles relacionados à disputa em torno do aluguel que os residentes travaram com o prefeito Hamilton. Outros problemas também foram discutidos nesses ECUS, como o abastecimento de água, a possibilidade da demolição da capela centenária na Rua da Matriz para dar lugar a uma nova igreja, entre outros. Tais encontros foram importantes e contabilizaram dezenas de participantes, entre eles, certa vez, o próprio prefeito[62].
Outro exemplo importante de conflito estabelecido entre residentes e prefeitura municipal desse período foi a disputa pelo terreno da AEUSU em Uibaí, durante a gestão de Renato Domingos Machado, médico e ex-residente da CEU. O terreno da AEUSU, destinado a construção de um clube social, conforme vimos anteriormente, foi desapropriado pela prefeitura, com a justificativa de construir uma rodoviária[63]. A AEUSU processou a prefeitura com a justificativa de que “Enquanto tentava os meios para a construção na área (...) de um ambiente cultural e de lazer, foi (...) surpreendida com entrada de máquinas e trabalhadores que disseram estar ali a mando do Sr. Prefeito Municipal, que havia desapropriado a área para ali construir um ‘terminal rodoviário’”. Baseado no fato de que a prefeitura “promove a exdruxula desapropriação para construir um ‘terminal rodoviário’ onde entra apenas um ônibus por dia. Diga-se, ainda que a fantástica obra, não ocupa dez por cento da área, o que caracteriza ainda mais o caráter violento da ação”. Assim, os advogados da AEUSU alegavam ter se dado a desapropriação “ilegalmente e com abuso de poder”, portanto, “agindo apenas por mera perseguição política”[64].
Em defesa, a resposta do Prefeito por meio de seu advogado foi, além da importância da obra e da localização do terreno “O fato do terreno pertencer a impetrante não anulou por diversas vezes, aparecer abaixo-assinado pa uma limpeza, pois além de insetos era esconderijo de vadios”, portanto, “requerendo-se o indeferimento do Mandato de Segurança”[65].
Percebe-se em ambos, mais que uma mera disputa de terreno. Ela é o principal motivo do conflito, visto que, conforme a própria Juíza, “O fato do Poder Público não ter depositado em Juízo a prévia e justa indenização em dinheiro, foi um expediente lamentável, violando, desta forma preceito constitucional”[66]. Entretano, a motivação que leva a Prefeitura a realizar tal “desapropriação” é claramente política, e a reação da AEUSU não é menos isenta da disputa que ambos travavam a um certo tempo. Por fim, a “vitória” da questão foi dada à Prefeitura, “tendo em vista que o bem já foi utilizado em obra pública, incorporando-se, portanto, ao Patrimônio Público, poderá a Impetrante ingressar com AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO”, sendo “IMPROCEDENTE o pedido”[67].
O material produzido pela CEU durante esse período também é bem característico da opção militante que seus residentes assumiram[68]. A CEU e a AEUSU enquanto entidades não se vincularam diretamente à disputas partidárias, mas, a partir da década de 80, assumiram uma luta aberta e intensa de oposição ao poder público em defesa da manutenção da CEU. E foi do quadro de residentes da CEU que saíram parte dos militantes de esquerda de Uibaí. O espírito oposicionista que tomou conta da CEU a partir dos anos 80 é demonstrado pela força eleitoral que os estudantes residentes em Salvador deram à candidatura de Hamilton (PSD) em 1982, que foi vista como uma candidatura oposicionista às práticas de Domingão e que promoveria as transformações desejadas, como também às candidaturas para prefeito de Tarcísio (PT) e Milton Gomes (PSB / PC do B) em 1988[69].
Durante a década de 80, quando da crise do modelo da CEU enquanto estratégia de reprodução das camadas dominantes de Uibaí e sua reconfiguração para um espaço de resistência e de ascensão social para filhos das camadas mais pobres de Uibaí. As camadas dominantes articularam a CEU com o intuito de se reproduzir enquanto elite através do acesso ao estudo universitário para seus filhos. A partir do início de 80, elas tiveram novas alternativas de acesso ao ensino superior. A prefeitura diminui os recursos destinados à CEU, que neste momento abriga além de filhos das camadas dominantes significativo número de filhos das camadas mais pobres. Assim, a prefeitura e os residentes da CEU estavam em permanente tensão gerada pela briga em torno do repasse dos recursos do aluguel. Esse conflito, ao lado do contexto político de agitação social da década de 80 e da origem pobre de parte dos residentes, portanto, excluída do poder decisório, condicionou a formação de uma ideologia e de uma prática de esquerda no quadro de residentes. Essa ideologia e essa prática de esquerda dos residentes e ex-residentes da CEU se desdobraram em Uibaí em movimentos políticos e culturais como as SEACs e na participação dos residentes e ex-residentes nas eleições apoiando e organizando candidaturas de oposição.

          V.      a grande crise: anos 90


As casas de estudantes de Uibaí vêm passando por uma das piores crises financeiras e de identidade registradas pela história da educação do município. A Ceu de Salvador que, em outros tempos, abrigou mais de 40 estudantes na sua sede, conta hoje com menos de 10 moradores. A Ceubras, em Brasília, que já chegou a ter em seu quadro de moradores mais de vinte estudantes, desde o ano passado conta com apenas seis moradores, que se desdobram para – além de estudar – pagar as despesas de aluguel, alimentação e higiene. Chegou o momento de a comunidade uibaiense se unir para discutir a situação das casas. As casas foram e continuam sendo entidades de muita importância cultural e política para o município e região, portanto, há que se fazer um esforço conjunto para revigorar o quadro de moradores das Ceus, bem como articular uma política de assistência estudantil que inclua o município, o estado e a federação como fornecedores de recursos para a manutenção dessas moradias.[70]

Era com esse texto que Boca do Inferno de setembro de 2002 insistia sobre a grande crise “financeira e de identidade” das Ceus. Como já assinalamos, uma crise “financeira” na CEU já ocorria no início dos anos 80, quando da diminuição do recurso da prefeitura para o pagamento do aluguel. Entretanto, e, sobretudo, na segunda metade da década de 80 e início dos anos 90, a crise financeira que os residentes continuaram obrigados a conviver não foi suficiente para abalar a sua inclinação para a militância política, ou seja, não redundou em uma crise de “identidade”. Preferimos denominá-la de crise organizativa, por ser ao nosso ver mais adequada para caracterizar os períodos em que a CEU esteve em meio do esvaziamento e da dificuldade de articulação de movimentos em prol de sua própria defesa, assim como pelo motivo de que a crise de identidade só dá conta do período a partir do qual esta identidade foi formada, a nosso ver, durante as SEACs.
O marco de uma crise organizativa que perdurou por alguns anos, tem início no ano em que não foi possível articular a SEAC: 1995; ela já havia se tornado uma referência no interior do Estado, influenciando outros movimentos como a Cantoria de São Gabriel, a Cantoria de Tanquinho, as Semanas de Arte de Irecê, P. Dutra, entre outrras, já havia ganhado traços de profissionalização, trazendo para a cidade artistas conhecidos no circuito alternativo, se transformado em um dos principais movimentos do calendário cultural da região. A partir desse ano a desorganização dos arquivos da CEU e da AEUSU são demonstrativos da desorganização das entidades e a crise que a gerava. Um dos poucos documentos escritos que encontramos sobre o período – não consta a data, mas supomos, ser da segunda metade da década de 90 – convidam para uma reunião na CNEC para discutir as péssimas condições da CEU.
Na própria Uibaí percebe-se uma imensa dificuldade de articulação dos movimentos sociais durante esse período. Não temos registros de eventos políticos culturais entre os anos de 1995 e 1998, exceto as eleições de 1996. Nessas, a incipiência das candidaturas do PT, onde o “comício foi feito em cima de um caminhão” e “teve por volta de 80 a 100 pessoas”, “e as camisas eram pintadas no bar de Hilton” era um demonstrativo da desmobilização dos uibaienses, sendo que os próprios participantes viam aquilo como o “início de uma grande e árdua caminhada”[71], na verdade, iniciada ainda na década de 80. Talvez seria o início de uma caminhada para as táticas eleitorais.
No contexto nacional, há uma enorme desarticulação das forças populares organizadas, sendo dos poucos exemplos o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra[72]. A crise do movimento sindical, cada vez mais burocratizado, mais institucionalizado, mais distante das bases, “resultado da crise de um padrão de organização/gestão do trabalho fordista e dos resultados da implementação de novas políticas de gestão inspiradas no ‘modelo japonês’, juntamente com a adoção de novas tecnologias”[73] ao lado de outros fatores, como a queda do muro de Berlim e o colapso do Socialismo Real e a emergência do neoliberalismo acabam por gerar uma crise na noção de centralidade do trabalho, e, portanto, da potencialidade transformadora decorrente do mundo do trabalho[74]. São essas as raízes estruturais da “crise ideológico-política da perspectiva de uma sociedade alternativa ao capitalismo, com o enfraquecimento da possibilidade do socialismo”[75]. Essas transformações decorrentes da dinâmica da luta de classes do País em decorrência da reestruração produtiva e do avanço do neoliberalismo na América Latina que caracterizam a década de 90[76] são determinações conjunturais para um descenso na luta social desenvolvida em Uibaí.
Como denuncia o Boca do Inferno, a CEUBRAS passa por uma situação semelhante. A história da Casa dos Estudantes de Uibaí em Brasília, fundada em 1979, é particular[77], e como já foi dito na introdução desse trabalho não é nossa intenção analisá-la aqui. Contudo, as semelhanças com a crise que adentrou na CEUBRAS é um sinal de que não se tratava de uma particularidade do perfil dos moradores da CEU naquele momento, mas também de uma crise que era fruto de determinações conjunturais de um instante historicamente dado.
A crise das Ceus, e em particular, da CEU, durante os anos 90 e início dos anos 2000 foi alarmante a tal ponto de se cogitarem diversas vezes o fechamento da entidade, devido ao estado precário de estrutura física e de insuficiência organizacional dos residentes. É desse período que foi constituída a primeira diretoria da Aeusu composta exclusivamente por pessoas que não eram residentes da CEU, na sua maioria ex-residentes radicados em Salvador[78].
No início do século XXI, a partir do ano 2000, ganha força uma mobilização da comunidade uibaiense em defesa das casas, vistas como patrimônio de Uibaí, “a maior pérola uibaiense”. É denunciada “sua estrutura [que] já está bem estragada”, onde o “piso dos 1º e 2º andares são de madeira e já está cedendo”. A resolução do problema seria para alguns “um projeto de engenharia para a recuperação da mesma [CEU]”, algo que “demandaria muito trabalho e dinheiro” e caberia a uma instituição de vulto, “um grande órgão público como a prefeitura”[79].
Também em 28 de abril de 2001, a Aeusu em parceria com o Grêmio Estudantil Secundaristas do Serra Azul – GESSA organizou o lançamento do livro de Enoch Carneiro, Além das Ilusões. Um mil exemplares do livro foram doados à CEU “para que a mesma conseguisse recursos para comprar um microcomputador”[80]. A parceria com o GESSA também se deu no 1º Encontro de Estudantes em 27 de maio do mesmo ano, realizado no Clube Canabrava, “com rodadas de palestras e entretedimento”[81].
Essa mobilização em defesa das Ceus, se deu além desses movimentos, por meio da propaganda reivindicando assistência estudantil, veiculada através dos jornais O Boca e do Jornal da Ceubras. Os dois denunciavam o estado de abandono dos estudantes uibaienses. Nas capitais, percebemos um discurso de combate e oposição ao grupo político de situação no poder, no caso, Birinha que foi prefeito entre 1997 e 2004, e foi o sucessor de Hamilton (1993-1996). O prefeito é acusado de não possuir “nenhum interesse em ajudar, como nunca teve”, assim como “nenhum orgão público”. A responsabilidade por qualquer acidente que pudesse vir a ocorrer, entretanto, é atribuída à prefeitura, visto que “o prédio [a sede da CEU], já que pertence a ela, é de responsabilidade pública” [82] e também pelos “muitos frutos dados ao município”[83]. Articula-se entre os que defendem as residências o discurso que a existência e resistência das Ceus é fruto do esforço de “lutadores e residentes estudantes que por lá passaram (...) nunca se calando e sempre denunciando os abusos de poder que se praticava e ainda são praticados pelos falsos representantes do povo”[84] “dependendo financeiramente dos seus integrantes que, em sua maioria, com salários de fome tem que cobrir gastos com aluguel, água, alimentação, luz e telefone, o que vem sendo quase que impossível nesses últimos dias”[85]. A “ajuda de ex-residentes” e o “apoio moral da população”, o recurso de movimentos como o Forró Céu, assim como a mobilização de entidades que dão “um show de solidariedade e responsabilidade com a educação aos enfadonhos governantes da cidade e do país”[86].

Percebemos, portanto, o estabelecimento de uma fase importante na história da CEU – próxima, mas bastante distinta da CEUBRAS – que tem início com a crise organizacional da entidade após o fim das SEACs em 1994. Aos olhos da comunidade uibaiense, o principal problema dos residentes nesse período é a escassez de recursos financeiros originada na irresponsabilidade do poder público para com as casas. A conjuntura de refluxo dos movimentos sociais no País – e em Uibaí, com o fim de grupos como a FAU (Fundação dos Artistas Uibaienses), o Grupo Teatro Vida, o GICU (Grupo de Integração Comunitária), entre outros – contribui para com a desarticulação dos movimentos realizados pelos residentes da CEU, que tem em muito lesados seu poder de mobilização. É a Idade das Trevas em Uibaí, no qual os grupos sociais de esquerda estão na defensiva.
Tal conjuntura se encerra no final da década de 90. É desse período que temos a formação e atuação do GESSA no Colégio Serra Azul organizando o Desfile Cívico de 22 de setembro, o Dia da Consciência Negra, o Tributo a Renato Russo (2000), o Resgate Artístico e Cultural de Uibaí, um movimento em Benefício do CNEC, o Dia Internacional das Mulheres, os já citados lançamentos do livro Além das Ilusões e 1º Encontro de Estudantes, o movimento Agosto: mês da arte, cultura e educação, a reposição de aulas de professores de licença médica no Colégio Serra Azul, entre outros (2001) marcando uma nova fase de mobilização intensa da juventude uibaiense[87]. Também podemos destacar as Feiras de Conhecimentos de Uibaí organizados por professores e estudantes da CNEC e do CCMM (Colégio Cassimira Maria Machado). É nesses anos a CEUBRAS inaugura a Biblioteca Pública Osvaldo Alencar Rocha no povoado de Quixabeira[88] e rearticula em Brasília o movimento político-cultural 3º Encontro de Baianos[89].
O maior movimento político do período, contudo, é composto de novos atores sociais: os partidos políticos de esquerda. Anteriormente, os partidos de esquerda uibaiense, embora lançassem candidaturas a prefeito e vereador, ainda não haviam conseguido eleger nenhum representante, nem sequer alcançar chances reais de consegui-lo, sempre obtendo votação inexpressiva. A Frente de Libertação e Reconstrução de Uibaí, composta por partidos políticos de oposição no cenário baiano (PT, PSB, PC do B, outros) articulou em 2000 a candidatura de Pedro Rocha Filho e Pepê para prefeito e vice. Nas eleições de 2000, a chapa obteve 3734 votos, perdendo para a coligação Juventude, Amor e Confiança pela reeleição de Birinha (PPB), que obteve 3872 votos. Entretanto, ela conseguiu eleger quatro vereadores, entre eles o mais votado do pleito: Tarcísio (PT) com 660 votos, Davi (PDT) com 407 votos, Gonçalves (PSB) com 302 votos e Armênia (PPB) com 389 votos, que embora compusesse oficialmente a chapa da situação, participou da maior parte da campanha com os oposicionistas[90].
Esses novos atores sociais são herdeiros do acúmulo político e da tradição dos movimentos que ocorreram em Uibaí nos anos 70, 80 e 90, mas são novos devido ao campo de atuação que abriram, a política institucional e vêem o acesso ao poder público como o principal meio de atingir as transformações desejadas. Não que durante o período anterior isso não fosse almejado, visto que desde 1976 é possível encontrar candidaturas ideologicamente de esquerda. Mas foi somente em 2000 que essa proposta ganhou peso e isso reformulou as concepções dos militantes de esquerda de Uibaí a ponto de se gerar um debate relativamente intenso sobre os métodos que os candidatos de oposição deveriam empreender na campanha.
Esses novos atores sociais são em parte ex-residentes da CEU e da CEUBRAS, parte deles bem estabelecidos financeiramente – já que, no caso específico da CEU, são resultado de uma estratégia de reprodução das classes dominantes locais – e descendem diretamente de grupos políticos tradicionais que dominavam a cena política nas décadas de 40, 50, 60 e 70 – o candidato a prefeito e o vereador mais votado são filhos do primeiro prefeito do município, Pedro Rocha e o candidato a vice-prefeito é filho do vereador Domingos Leandro.
Embora se identifiquem enquanto esquerda, suas propostas são bastante moderadas. O combate deveria ser feito contra o nepotismo e corrupção que são praticados para benefício do grupo político da situação e desviam os recursos que “dariam para resolver muitos problemas do municípios, como falta de energia, calçamentos, assistência médica de melhor qualidade, melhorias nas residências de pessoas humildes para melhorar a qualidade de vida, melhorias nas estradas, nas escolas e na merenda escolar, além de melhores salários para os servidores contratados legalmente”[91]. Os mandatos dos vereadores da Frente se orientariam pelo combate à corrupção, à “violência reinante na cidade”, no enfretamento aos “inimigos da paz”, em “fiscalizar de que forma está sendo aplicado o dinheiro público”, em exigir e organizar a instalação de rede de água e a melhoria das estradas do município. Percebe-se também uma confiança nas instituições do Estado, como o Tribunal Regional Eleitoral que seria responsável por excluir os votantes moradores de outras cidades do eleitorado uibaiense, o Ministério Público ao qual foram denunciadas “irregularidades criminosas” cometidas pelo comandante do destacamento da Polícia Militar de Uibaí em 2002 e 2003, ou o Tribunal de Contas ao qual foi denunciado o desvio de recursos do Fundef - Fundo de desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental[92].
A orientação ideológica da Frente se pauta por princípios como “moralidade”, “justiça”, “democracia”, “cidadania”, em defender os “interesses” da população, entendidos como saúde, educação, estradas e “serviços de qualidade”. Não é uma orientação pautada na luta de classes, na consciência da classe, na emancipação dos trabalhadores. Trata-se de chegar ao “poder” por meios “pacíficos” – eleições – e lá servir aos “cidadãos” com aplicação honesta dos recursos. A política é voltada por uma Uibaí e um mundo mais “justo onde as difrenças sejam tratadas com respeito, onde a fome não seja usada como arma para alcançar o poder, onde o Capital não sobreponha o Racional”[93]. As irregularidades – corrupção, nepotismo, perseguição – são “desvios” do sistema e as próprias instituições do Estado, dotadas de confiança incondicional, são responsáveis por saná-las. Elas não são vistas como desdobramentos inerentes e provenientes da lógica capitalista. A idéia de libertar – dos usurpadores da prefeitura e do poder público – e reconstruir Uibaí, implícita no nome do grupo político indica uma evocação de um passado como o qual se estabelece uma continuidade para recuperar esse período histórico que foi interrompido. Vista a moderação e o conservadorismo de tal ideologia da esquerda uibaiense do século XXI não é difícil de explicar a empolgação que suas campanhas eleitorais despertaram nos mais amplos setores da comunidade uibaiense.
Uma das bandeiras da Frente era justamente o apoio do poder público municipal às residências estudantis. Esse apoio às Céus não era somente retórica de campanha. É a partir desse período que a contribuição de ex-residentes para as Ceus torna-se importante para a manutenção e para a organização das casas, notadamente a CEU. Esses novos atores contribuíram para que a crise financeira e a crise organizativa da CEU tivessem seus efeitos amenizados. A eleição de 2000 é um marco para uma nova história em Uibaí, já que se geram novos sujeitos, visto que a emergência de novos atores força a “adaptação” e “modernização” dos setores que permaneceram.

       VI.      novos tempos, novas casas, nova CEU[94]


Os primeiros anos do século XXI presenciaram uma relativa mobilização de alguns atores políticos uibaienses. Os estudantes secundaristas do Colégio Estadual Serra Azul – colégio Manoel Levi a partir de 2002 – movimentaram o cenário social da cidade nos anos de 2000 e 2001. O Grêmio formou uma “geração” de militantes uibaienses que contribuíram nos anos seguintes com a organização de vários movimentos como acumulou uma experiência de organização e luta política que foi importante referência no período posterior.
Os novos atores políticos uibaienses – a oposição partidária – através de seus vereadores e militantes também promoveram uma agitação no cenário político até então inédita. Destaca-se como exemplo a tensão política criada em torno do fechamento dos barreiros na estrada sede-Boca d’Água em meados de 2002. O fechamento dos barreiros sob controle de pessoas ligadas ao grupo de situação pelo IBAMA e os conseqüentes transtornos do corte de fornecimento de areia para construção como o temporário desemprego dos trabalhadores do setor foi transformado em um fato político pela situação. A responsabilidade por tal fechamento foi atribuída a um vereador de oposição – Tarcísio (PT) – que se defendeu afirmando que “a paralisação é fruto da incompetência e do costume de atuar ilegalmente” e que o fechamento não seria possível se não fosse “irregular”. Em informe, o vereador Tarcísio contextualizou o acontecimento com a “contribuição à natureza” do “grupo”político do prefeito Birinha que inclui a “destruição do BOQUEIRÃO” e “enormes estragos na Fonte Grande, na Sede e Hidrolândia” de “forma predatória e criminosa”. O vereador também advertiu que “Uibaí poderá ficar sem Hospital” visto a efetivação de denúncias suas “junto ao Ministério da Saúde” alegando a falta de “médicos, medicamentos, atendimento decente para o povo, apesar do Ministério mandar muito dinheiro para a Prefeitura”[95].
Nesse período – segunda metade de 2002 – a agitação política dos vereadores de oposição se acentuou. Tarcísio atribuía em informe desse período que “Uibaí nunca recebeu tantas obras como agora” devido ao surgimento da oposição parlamentar no município. Obras como o asfalto de Hidrolândia, a sede própria do Colégio Manoel Levi e outras ao seu ver ocorreram “somente depois que a oposição cresceu (...) que eles resolveram trabalhar”, visto que com a “fiscalização feita pelos vereadores da oposição, o prefeito está temeroso em exagerar no desvio do dinheiro público”[96]. O vereador que estava “recebendo ameaças” recebeu “nota de solidariedade e apoio” do Núcleo de Apoio ao PT de Uibaí em Brasília[97].
É desse ano, também, a epidemia de dengue que a oposição atribui responsabilidade ao poder executivo já que “bastava (...) junto com os órgão municipais de saúde, fazer um trabalho de esclarecimentos e prevenção junto à população”[98].
Ainda em 2002, podemos destacar os problemas em torno Orçamento Municipal enviado à Câmara pela Prefeitura. Os vereadores de oposição destacaram diversas irregularidades, a exemplo da denúncia do vereador Davi (PDT) de que “a proposta do prefeito era clonada da Prefeitura de Andaraí” e do destaque de Tarcíso (PT) de que embora o município não possuísse Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, estavam destinadas as somas de R$ 150.000 para o setor[99]. A movimentação relativa promovida pela oposição partidária reflete na vitória que os candidatos de oposição conquistaram nas eleições estaduais e federais. Na disputa presidencial, Lula (PT) obteve 4.126 votos no primeiro turno e 5.087 no segundo, e José Serra (PSDB) o candidato que simbolizava o anti-Lula – obteve somente 908 votos no primeiro turno e 1.822 no segundo[100].
No início de 2003, outro movimento protagonizado pela oposição partidária foi o recadastramento do eleitorado alegando a desproporção existente no município entre o número de moradores e o número de eleitores, dando margem a suposição de que estava havendo o “aliciamento de eleitores de outras localidades para favorecer algumas correntes”[101].
Podemos destacar entre os movimentos da juventude nesse período a organização do plebiscito nacional sobre a implantação da Área do Livre Comércio das Américas – ALCA – no município de Uibaí. O Comitê Popular de Combate à ALCA e a Igreja Católica realizaram “uma série de eventos para conscientizar o povo dos malefícios que a sociedade brasileira sofrerá com a implantação da ALCA” na primeira semana de setembro de 2002[102].
No início de 2003, ocorre em Uibaí, organizado pela CEUBRAS, pelo Boca do Inferno e por militantes uibaienses, o Praça Inquieta que “contagiou a população (...) [com] o Teatro do Oprimido, na sua versão Fórum, o recital de poesias, o espetáculo musical dos cantores da terra”, “apresentações dos grupos de capoeira Filhos da África e Berimbau de Ouro, (...) exposições de obras de escritores nativos, exposições de arte, (...) debates”[103]. Um desses debates foi sobre movimento e moradia estudantil, no qual participaram estudantes, residentes das Ceus e militantes uibaienses que discutiram a crise das CEU e do movimento estudantil secundarista em Uibaí.
Das oficinas de Teatro do Oprimido desenvolvidas pelo professor e poeta Pita Paiva durante o Praça Inquieta surgiram os grupos de Teatro do Oprimido Língua Solta e Movimentação. A princípio, os dois contaram com mais de 12 membros cada. Ambos, com apoio de militantes sociais e com financiamento do deputado Zé das Virgens (PT) organizaram o Movimento Cultural Uibaí tem Sede... com a pretensão de levar periodicamente manifestações artísticas variadas aos mais diversos pontos da Sede do município descentralizando os eventos. De fato, conseguiram realizar três movimentos: na Praça Velha (19/03), no Pé de Galinha (20/04) e na frente da Creche Municipal, na rua Duque de Caxias (10/05); nos eventos ocorriam mostras de vídeos, recitais de poesia, apresentações musicais, exposições artísticas, apresentações de Capoeira e as peças de teatro fórum dos grupos.
A desarticulação do Uibaí tem sede... deu-se em paralelo à dissolução do Grupo Língua Solta. Entretanto, o Grupo Movimentação conseguiu sobreviver e alcançou destaque regional com apresentações e oficinas em Irecê, Jussara, Remanso, Canoão de Ibititá, João Dourado e Ibititá. A sua presença desde então tem sido marcante nos movimentos culturais de Uibaí com peças de conteúdo ideológico de contestação como as peças A casa que eu pedi a deus, Projeto de professor e Uibaí: Cidade Universitária???.
Percebe-se, portanto, durante os anos de 2000-2004 uma rearticulação dos militantes uibaienses em torno dos movimentos culturais e dos partidos políticos de oposição. Essa relativa movimentação é fator determinante para a reorganização da CEU. Durante o debate sobre movimento e moradia estudantil no Praça Inquieta foi lançada a tese de que

a crise das casas poderia ser resolvida organizando o movimento estudantil nos colégios de Uibaí (entenda-se município) como alimentador das casas. O quadro de residentes dessas moradias seria composto e recomposto pelo resultado da ação política dos estudantes de Uibaí[104]

Acertadamente os proponentes identificaram que a crise organizacional da CEU possuía raízes em uma certa desmobilização dos estudantes em Uibaí que são a composição do quadro de residentes. Se eles estivessem organizados em Uibaí conseqüentemente a CEU seria alimentada por estudantes com experiência política suficiente para enfrentar a crise organizacional da CEU. Ao nosso ver, estavam corretos. O “desvio” da tese está no lugar de organização em Uibaí. Os proponentes entendiam que o movimento estudantil nas escolas seria o “alimentador” da reorganização da CEU. Entretanto, percebe-se que os movimentos sociais em geral e os partidos políticos do município foram os “alimentadores” da reorganização da CEU, como também das novas casas, mesmo que nem todos os novos residentes estivessem “experimentados” na organização política em Uibaí.
O principal marco de reorganização da CEU é a VIII SEAC. A rearticulação da esquerda em Uibaí enquanto novo ator social e como nova esquerda no século XXI não esquece de seu grande ritual e em pleno 2004, quando ela está em processo de agrupamento para mais uma disputa eleitoral, a idéia da SEAC é retomada, rediscutida e posta em prática em termos de semanas com um projeto de vultosos recursos como nunca se viu na cidade. Mais de R$ 40.000 foram gastos em 4 dias de manifestações culturais na semana santa de 2004[105]. Ela é uma verdadeira obra de gestão de pessoas, visto os elevados custos em circulação, as inúmeras atividades em andamento sob uma direção razoavelmente centralizada e o elevado número de pessoas em trabalho – artístico e/ou voluntário – dedicadas ao evento.
Tal empreendimento exige um acúmulo de experiências razoável e só poderia ser posta em prática por um grupo relativamente experimentado. O papel importante da AEUSU e da CEU no processo releva que a crise organizativa da última estava em vias de superação. Obviamente a VIII SEAC não foi uma atividade somente da CEU e da AEUSU. O papel que os militantes de Uibaí da geração das sete primeiras SEACs e dos movimentos pós-2000 – GESSA, Uibaí tem sede..., Movimentação, partidos – indicam que havia em Uibaí já uma cultura de esquerda forte o suficiente para concentra-los e orienta-los, de modo que entendemos ser a principal força propulsora da VIII SEAC essa tradição de esquerda. A proximidade da eleição é um indício de que a VIII SEAC era um objetivo tático de uma estratégia de hegemonia mais ampla. Entretanto, o que nos interessa aqui é analisa-la enquanto um momento onde fica patente a reorganização política pela qual a CEU passava. A partir do momento em que a Aeusu – mesmo dirigida por não residentes – é a face jurídica da organização da VIII SEAC e do momento em que os residentes da CEU têm um papel importante na organização do movimento é que se percebe que aquele momento que tem início em 1995, ou seja, a incapacidade de organizar uma atividade de peso em Uibaí por parte da crise organizativa da CEU era um momento superado. E esta superação não pode ser vista senão como parte da rearticulação e mobilização de sujeitos sociais em Uibaí, sobretudo ex-residentes, que oferecem assistência financeira e direção organizativa e moral à CEU.
Internamente, a CEU também se reorganizava. Em 2004, “realizou-se uma reforma na fachada do imóvel e, posteriormente, outras duas contemplando a parte interna da casa”. A origem dos recursos evidencia a relação entre reorganização em Uibaí e na CEU, vistos que eles “foram obtidas com as doações mensais do ex-residente Edimário Oliveira, as economias nas despesas da casa, os lucros do tradicional FORRO CEU, a receita restante do patrocínio da PETROBRAS à VIII SEAC (...), além da venda de camisetas do evento”. Também foi realizado um convênio da Aeusu com a Assembléia Legislativa de modo que a CEU foi atendida com um projeto de compra de dois computadores[106].
A organização em Uibaí e a relativa movimentação promovida pelos movimentos sociais e pelos partidos de esquerda influem também na organização dos estudantes uibaienses em outras cidades da Bahia. Em agosto de 2004 têm início em Feira de Santana as discussões em torno da criação de uma residência estudantil de Uibaí na cidade. A mobilização dos participantes da discussão, em torno de 9, todos estudantes da Universidade Estadual de Feira de Santana desemboca na fundação da Casa dos Estudantes de Uibaí em Feira de Santana em dezembro de 2004[107].
Da fundação da CEU-FSA e da reorganização da CEU nascem as discussões em torno de uma política pública de assistência estudantil. No dia 3 de fevereiro, primeiro dia de expediente do mandato do novo prefeito, Raul Machado Neto, residentes da CEU-Fsa e da CEU protocolaram na prefeitura “um indicativo ao prefeito municipal (...) em que sugeriram o financiamento público integral da CEU e (...) da CEU-FSA”. Dois dias depois, os estudantes do Campus IV da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, residentes em Jacobina, criam a Casa dos Estudantes de Uibaí em Jacobina[108].
Raul Bastos Machado Neto (PFL), médico, professor e engenheiro agrônomo, ex-residente da CEU, foi eleito prefeito nas eleições de 2004, com uma apertada margem de votos contra a chapa de oposição. Durante a sua campanha, entre outras propostas, prometia apoio aos estudantes universitários de Uibaí. Seu discurso revela que a disputa estava tão acirrada a ponto de que uma reivindicação tipicamente de oposição desde os anos 90 como a assistência estudantil às Ceus fosse necessária para conseguir uma proximidade com os eleitores sensíveis a esta demanda. Também é sinal de que era uma demanda já bastante ampla a ponto de não poder ser ignorada. O movimento do projeto de assistência estudantil de 2005 não nasceu do nada, mas de uma necessidade que já obrigava candidatos – de um grupo se opunha e se opõe a semelhante demanda – a rever seu discurso e incluir a assistência estudantil na sua propaganda eleitoral.
Antes de iniciar propriamente na discussão do projeto de lei de assistência estudantil, cabe destacar alguns pontos que compõem o seu contexto. Em 30 de dezembro de 2004, houve a reativação do tradicional salão da voz do povo, rebatizado de Grêmio Cultural Voz do Povo, um espaço de bailes, exposição, teatro, cinema e outras manifestações artísticas. A iniciativa de Edimário Oliveira, ex-residente da CEUBRAS e co-autor do Canabrava do Gonçalo visava a instituição de um lugar em “homenagem à capacidade de imaginação, de organização e de luta do povo de Uibaí”[109].
Já com o intuito de “Acompanhar e fiscalizar de perto as contas públicas do Legislativo (...) e do Executivo (...)” surgiu em início de 2005, o Grupo de Cidadania de Uibaí – GCU. Formado por trabalhadores uibaienses “ligados a entidades locais como Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, associações de classe e de estudantes”, a idéia foi fomentada pelo Centro de Assessoria do Assuruá – CAA[110]. O GCU começa com uma relativa movimentação em torno da fiscalização das contas públicas, gerando uma tensão entre o GCU com Câmara e Prefeitura, sendo seus membros “destratados pelo secretário geral da prefeitura”. O GCU requisita intervenção da promotoria para acesso aos documentos “direito de todo cidadão, garantido pela Constituição Federal”[111]. A outra bandeira de luta do GCU é o concurso público para o qual recorre ao Ministério Público[112].
A mudança na Câmara mostra uma re-arrumação da correlação de forças políticas em Uibaí. Com apenas 9 vagas na Câmara, a situação consegue eleger 5 vereadores e cooptar 1 eleita pelos votos da oposição, enquanto que a oposição elege 4 candidatos, perdendo a vereadora citada. Houve um decréscimo na participação da oposição que contava com 4 entre 11durante o mandato 2001-2004, além de que nesse período conseguiu articular alianças com 2 vereadores da situação a ponto de eleger uma mesa diretora da Câmara no período 2001-2002. O novo mandato já se inicia com uma queda, visto que agora ela conta com apenas 1 terço da Câmara (3 dos 9 vereadores). Tal mudança indica uma diminuição de força política na organização da oposição partidária em Uibaí, visto também que a vereadora que passou para a situação não foi a única a “migrar” de grupo.

    VII.      uma história do Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí


Finalmente vemos algo de (...) importância ocorrendo no município, os estudantes se movimentando e lutando pela garantia não só das casas já existentes, mas por novas casas também. Todo esse movimento que está acontecendo na Canabrava merece apoio do povo e atenção redobrada da administração local. O que presenciamos é a garotada consciente fazendo história, lutando por direito à assistência estudantil, coisa que desde a primeira administração de Hamilton, a Ceu e a Ceubras exigem que seja respeitada[113].

O trecho acima se refere à mobilização em torno da confecção do projeto de lei de iniciativa popular sobre assistência estudantil. Após o protocolo do indicativo na prefeitura os estudantes se organizam em duas frentes: de um lado, realizam uma mobilização pela doação de material para as recém-criadas CEUs de Feira de Santana e Jacobina, culminando no Chá de Casa Nova realizado no Grêmio Cultural Voz do Povo em 13 de fevereiro, junto, principalmente, aos ex-residentes da CEU e da CEUBRAS; e por outro, a articulação do projeto de assistência estudantil.
A formulação do projeto foi empreendida pelos próprios estudantes a partir do levantamento das necessidades materiais das residências estudantis uibaienses. O projeto previa o “pagamento das despesas de alimentação, limpeza, água, luz, assinatura de jornal e revista, salário e encargos trabalhistas de funcionários da residência”. Além disso, em termos de recursos financeiros, havia a previsão da compra de casas para sede própria da CEUBRAS, CEU-FSA e CEU-JAC[114]. O Orçamento do Município para 2005 já contava com 18 mil reservados para “assistência ao estudante”[115]. O projeto de lei totalizava, entretanto, algo em torno de 350 mil reais no primeiro ano – compra das sedes próprias – que depois era reduzido a 150 mil reais anuais, algo em torno de 1,5 % do Orçamento anual do município[116]. “Outro ponto importante do projeto de lei é que os estudantes residentes realizarão a contrapartida social para a cidade através de projetos a serem desenvolvidos junto a população como a Semana de Arte”[117].
Embora um suposto “alto valor” do projeto para a Prefeitura fosse um dos principais argumentos contra o projeto, no quesito político o pomo da discórdia era a “autonomia administrativa e financeira”. O projeto previa que na gestão das CEUS, cabe aos residentes “através de mecanismos democráticos de seleção, aprovar ou desaprovar os candidatos a residente com base nos Regimentos Internos ou Estatutos Sociais”. Tratava-se de alcançar a “administração/direção SOBERANA das CASAS”[118]. A autonomia financeira seria um desdobramento e uma condição para a autonomia administrativa e “consiste na gestão independente dos recursos repassados pelo Poder Público Municipal”. Para garantir a gestão transparente do dinheiro público pelos próprios estudantes, estava prevista “a devida PRESTAÇÃO DE CONTAS dos recursos transferidos para a (...) AEUSU”[119].
Legalmente, o projeto de lei se justificava em um artigo da Lei Orgânica do Município que prevê a responsabilidade do município em “selecionar os melhores alunos concluintes da 8ª série dos colégios do município e garantir-lhes o estudo gratuito em Salvador”. Isso, de acordo com o o projeto era uma indicação de que havia uma “opção por uma política pública de assistência estudantil que financie os estudantes uibaienses”[120].
Um projeto de lei de iniciativa popular, ou seja, um projeto que parta da própria população necessita, para ser apresentado a Câmara, sem intermédio de nenhum vereador, de assinaturas de 5% do eleitorado. Em Uibaí isso corresponde a algo em torno de 450 eleitores. Essa forma de apresentar o projeto deriva da necessidade de independência política exigida pelo Estatuto da Aeusu para a qual é “vedada a participação (...) em qualquer atividade que envolva problemas de ordem política partidária”[121] como também pela amplitude que tal demanda possuía – e possuí – que é bem mais ampla que uma bandeira de esquerda. Isso fica claro quando se nota o apoio dos grupos mais diversos da sociedade uibaiense.
Um outro sinal e demonstração de tal independência, após o recolhimento de aproximadamente 1.900 assinaturas, foi a realização de um ato público de apresentação do projeto de lei de iniciativa popular para a população, no dia 02 de fevereiro, no Grêmio Cultural Voz do Povo. Foram convidadas as organizações civis como o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e as Associações Comunitárias. O ato público visava apresentar para a sociedade e – principalmente – para as autoridades – vereadores, prefeito, vice e secretária de educação – o conteúdo, a justificativa e a aplicabilidade da implantação de uma política pública de assistência estudantil. Seria essa a primeira vez que os vereadores da situação e da oposição teriam contato com o projeto. Alguns deles, inclusive, havia subscrito o projeto[122]. O ato público contou com mais de uma centena de pessoas, com a participação de dois vereadores – Davi (PDT) e Vilmar (PT) – e da secretária municipal de Educação, Profª Eliete Gomes.
Alguns dias depois, o Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí (MDCEU) – articulação de membros da Aeusu, CEU, CEU-FSA e CEU-JAC apoiado pela CEUBRAS – por meio de uma comissão de estudantes, protocolou na Câmara Municipal o projeto de lei. Começava o trâmite do projeto que estava subscrito com assinaturas de 2.006 eleitores do município e apoio de vários setores da comunidade uibaiense. A população era informada eventualmente com intervenções de representantes do Movimento nas rádios.
O conteúdo legal do projeto havia passado por três assessorias jurídicas. De acordo com o trâmite da Câmara, haveria de passar pela comissão de Constituição, Justiça e Redação Final e pela comissão de Finanças, Obras e Serviços Públicos.
Dentro da Câmara, o projeto viveu dois momentos: um primeiro no qual reina um aparente consenso em torno de sua importância e da legitimidade de seus proponentes somente com observações com respeito à forma pela qual está sendo proposta; um segundo momento, que é o decisivo, e por isso, o momento em que os interesses são explicitados e é gerado um conflito em torno da disputa política pela derrubada do veto.
Paralelo ao trâmite do projeto na Câmara, nas comissões responsáveis, os estudantes uibaienses viabilizavam em Feira de Santana a organização da CEU-FSA. Alugado um apartamento, os primeiros residentes se mudam no final de fevereiro e, no início de março, a casa já se encontrava em funcionamento abrigando 5 residentes.
O trâmite correu conforme a praxe. As duas comissões analisaram o projeto e deram pareceres favoráveis. Durante a apresentação do projeto na Câmara no dia 11 de março[123], um representante do MDCEU fez uso da tribuna livre defendendo o projeto e a importância de uma política pública de assistência estudantil. Foi marcada para o dia 18 de março a esperada primeira votação.
Os estudantes de Salvador e de Feira de Santana em um ônibus fretado com contribuição financeira de militantes de Uibaí e simpatizantes da causa – notadamente ex-residentes da CEU e da CEUBRAS – se deslocaram para o município na noite de 16 de março. Na manhã do dia 17, houve uma passagem em salas nos colégios Manoel Levi, Cassimira Mª Machado, Municipal Valtenci Levi e Serra Azul convocando os estudantes a comparecerem na Câmara para pressionar pela aprovação do projeto de lei sobre assistência estudantil.
Na manhã seguinte, uma passeata passou pela cidade convidando a população para a Câmara. A passeata teve saída da Praça da Educação e após passar em algumas importantes ruas da cidade terminou na Câmara Municipal, com agregação de alguns estudantes do município e simpatizantes da causa.
Numa sessão tranqüila com a plenária lotada, o projeto foi lido, apreciado como positivo pela ampla maioria dos vereadores – fizeram uso da palavra representes da situação e da oposição – e aprovado por unanimidade dos oito vereadores presentes. Os estudantes aplaudiram a aprovação, mas sabiam que o instante decisivo de efetivação ou derrota do projeto estava apenas começando. Conforme os trâmites da Câmara, o projeto aprovado passava agora à mão do novo prefeito que tem a atribuição de sancionar ou vetar em parte ou por completo. A decisão de complicar ou não o caminho de uma política pública de assistência estudantil estava na caneta de um ex-residente da CEU que prometeu, na sua campanha e posse, apoiar os estudantes universitários uibaienses que sofrem nestas capitais. Entretanto, como se verá adiante o que move o prefeito não é sua a convicção pessoal somente, mas os interesses e as estratégias de seu grupo político. Ele dançou com quem o levou ao baile.

A juventude uibaiense obteve importante vitória na luta por assistência estudantil: foi aprovado na câmara o projeto que torna obrigação da prefeitura a assistência às casas de estudantes. Claro que o que levou os vereadores da situação a aprovar o referido projeto não foi o amor pela educação, mas o interesse em demonstrar independência com o fim de barganhar para si mais cargos públicos e verbas municipais[124].

Na segunda metade de abril, os estudantes uibaienses não receberam uma notícia muito boa. A esperada decisão do prefeito veio como veto total, que para os estudantes significava que Raul Machado estava “deixando evidente que a sua administração é uma caricatura mal feita da falta de trabalho de seus antecessores”[125]. Os motivos alegados eram a priorização do Ensino Básico que cabe ao município, a exclusividade do Poder Executivo para tratar de leis sobre matéria orçamentária e a “veracidade das assinaturas dos subscritores”[126].
Outra modificação no cenário foi o aparente boicote sistemático dos comunicados do Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí na Líder FM, uma das maiores emissoras de rádio da região. Misteriosamente, as ligações de representantes do Movimento caíam durante a fala dos mesmos. Por coincidência, várias vezes as ligações cairam. Nada de surpresa se se considerar que a emissora é a principal porta voz do carlismo na região. Até o principal meio de publicidade em aúdio da cidade – a Magrela de som – se recusou a anunciar comunicados do Movimento que contessem “agressões” ao prefeito.
As interpretações mais veiculadas para o veto do prefeito antes e depois da votação do veto foram várias: havia daquelas que argumentavam que a “educação dá instrumentos para a prática da cidadania e da liberdade radicais. O conhecimento e a produção da contra-cultura são contestadores do status quo e dos privilégios. A educação é um caminho para a liberdade”. O grupo do prefeito seria contra uma política pública de assistência estudantil, por que o acesso à educação superior seria uma ameaça aos seus privilégios e por isso o prefeito disse “NÃO ao sonho dos estudantes” [127].
A argumentação acima aponta para a contradição entre CEU e prefeitura municipal que existe desde a década de 80 quando começam a ser cortadas as verbas destinadas à CEU. A partir desse momento, e por outras razões, a oposição política entre residentes e situação se acentua e os residentes certamente utilizam seus métodos próprios – relacionados à experiências educativas libertárias e as SEACs são exemplos disso – como forma de organização para a luta por suas pautas. Assim, métodos de organização relacionados a experiências particulares dos residentes – o “conhecimento” e a “contra-cultura” – levam a interpretação de que a educação é um “caminho para a liberdade”. Entretanto, a argumentação perde de vista que a educação por execelência é um instrumento de disciplinarização das classes subalternas a serviço das camadas dominantes, como também perde de vista que o grupo social hegemônico em Uibaí não é um grupo isolado e faz uso da disciplina propiciada pela educação para manter-se no poder.
Uma outra tentativa de explicação corrente foi a de que

o prefeito vetou a proposta (...) Porque é contra a educação. Basta verificar os atrasos constantes no pagamento de salários dos professores, na demissão dos trabalhadores auxiliares (merendeiras, faxineiras, etc) na véspera do início das aulas.
Porque acha que pobre tem que se contentar com o cabo da enxada.[128]

Assim, o prefeito veta o projeto de lei

demonstrando seu total desprezo pelo povo deste Município, principalmente os mais carentes, que tanto dependem deste importante apoio na conquista de um futuro melhor[129].

O texto acima envereda por um caminho diferente, o de que a explicação para o veto é o interesse da situação pela perpetuação da condição do pobre enquanto pobre e por isso ele deve ser mantido afastado da educação, entendida aqui enquanto instrumento de ascensão social e intelectual. A razão histórica dessa idéia pode ser identificada a partir da década de 80, a CEU se constitui enquanto importante instrumento da ascensão social já que “proporciona” acesso à educação superior a camadas que de outra forma permaneceriam excluídas dessa. É uma explicação insuficiente a nosso ver, pelas mesmas razões que expomos acima, ou seja, a educação, embora possa se constituir enquanto um instrumento libertário, ela é basicamente um instrumento de reprodução social, ou seja, de perpetuação das desigualdades sociais. Os conteúdo, as formas de organização, enfim, o sentido da educação formal para os “pobres” é convencê-los de que eles “tem que se contentar com o cabo da enxada”.
Uma outra explicação, a nosso ver, mais coerente com o que realmente está em jogo, ou seja, os interesses dos grupos políticos em disputa, foi divulgada no então órgão de propaganda do MDCEU, o Tribuna Estudantil que circulou nos dias de maio. Embora careça de aprofundamento, ela atribui o veto total ao projeto de lei sobre assistência estudantil pelo prefeito Raul Machado ao fato de que este “defende os interesses dos que não precisam de estabelecimento público em outras cidades para estudar, pois, os seus filhos têm moradias próprias”[130].
A partir dessa tentativa de explicação e da discussão histórica que realizamos anteriormente, é possível, a nosso ver, chegar-se a uma explicação satisfatória das razões que fazem com que o grupo político da situação se oponha a uma política pública de assistência estudantil.
Retomando a discussão que realizamos, o momento em que a CEU era financiada com dinheiro público do município se deu nos anos 70 e percebe-se que parte significativa do quadro de residentes do período era composta por filhos de lideranças do grupo político então hegemônico. A partir do momento em que os jovens das camadas dominantes do município “não precisam de estabelecimento público em outras cidades para estudar, pois (...) têm moradias próprias”[131] acontece um decréscimo do financiamento público da CEU. Desde então, a CEU foi composta por parcela significativa de jovens das camadas marginalizadas do poder municipal e, portanto, não receberam assistência deste.
Um bom demonstrativo desse caráter subalterno dos moradores das residências estudantis de Uibaí é o fato de que a maioria absoluta – se é que há algum – dos residentes da CEU, da CEUBRAS, da CEU-FSA e da CEU-JAC é descendente de trabalhadores e funcionários sem nível superior. Ela possui a mesma idade dos filhos da primeira geração dos residentes da CEU, entretanto, estes “têm moradias próprias”[132], ou seja, não fazem uso das residências estudantis, agora destinada a grupos sociais subalternos, embora não sejam os miseráveis da sociedade e boa parte das camadas dos subalternos uibaienses permaneça excluída do ensino superior.
Voltemos aos acontecimentos do início de 2005. A data marcada para a votação do veto do prefeito pela Câmara que poderia manter ou derrubar foi o dia 06 de maio. Nova mobilização nas quatro residências com vistas a organização para o combate pela defesa do projeto. O Movimento em Defesa das Casas de Estudantes de Uibaí articula novamente um ônibus para levar residentes de Salvador, Feira de Santana e Jacobina para participar da sessão decisiva. Mais uma vez, ex-residentes, simpatizantes, STTR-Uibaí contribuíram com apoio financeiro para a viagem.
Em Uibaí notadamente o Grupo de Cidadania de Uibaí e a Comissão Pró-Grêmio Estudantil do Colégio Estadual Manoel Levi, assim como outros militantes, participaram da propaganda e da mobilização da população para pressionar pela derrubada do veto. Na noite de 4 de maio, o ônibus partia de Salvador pegando, a caminho do pé da serra, residentes da CEU-FSA e da CEU-JAC chegando pela manhã em Uibaí.
A tática de mobilização dos estudantes planejada pelo MDCEU era semelhante aquela usada em março. Entretanto, um imprevisto mudara os planos do Movimento. A comissão de estudantes encarregada de passar nas salas de aula no Colégio Estadual Manoel Levi pela manhã, onde funciona o Colégio Municipal Valtenci Levi, não foi autorizada pela direção da escola. Após o término das aulas, várias palavras de ordem foram gritadas pelos estudantes do MDCEU. A resposta à “agitação” foi uma visita do Delegado de Polícia e de dois policiais civis, que alegaram terem ido ao colégio após receberem a queixa de que os residentes das CEUs ameaçavam invadir o colégio à força e estavam impedindo as aulas com gritos e barulho. A polícia estava sendo mobilizada de forma a impedir que estudantes entrassem na escola. A parte da manhã foi encerada com uma passeata pelas ruas da Sede.
Pela tarde, a diretora do Colégio Estadual Manoel Levi, Tatiana Machado –  geógrafa, ex-residente da CEU e da Residência Universitária 3 da Universidade Federal da Bahia –  se recusou a protocolar uma solicitação de passagem em salas pelos representantes do MDCEU. A tática mudou. Agora, os residentes das CEUs permaneceram na porta do colégio e na medida que os estudantes do Manoel Levi saíam – que estavam em semana de provas – eram informados pelos residentes das CEUs da importância da sessão do dia seguinte e convidados a comparecerem. Os residentes foram observados pela Polícia Militar e por “seguranças” particulares da prefeitura durante toda a tarde.
À noite, a tática foi repetida na porta do colégio, sendo encerrada com um “panelaço” nas ruas da cidade, encerrado na porta da Câmara Municipal. Lá, durante toda a noite, residentes das CEUs realizaram uma vigília num acampamento improvisado sendo observados toda a noite, dessa vez, pela Guarda Municipal.
Na manhã do dia 6 de maio, uma surpresa: o dia foi estabelecido como “facultativo” para os funcionários municipais, que foram “orientados” a comparecer na Câmara Municipal. A inexistência de concurso público, e, portanto, de segurança trabalhista, facilita a manipulação dos trabalhadores do serviço públicos, sempre sujeitos a pressões do prefeito – o patrão. Assim, os funcionários públicos municipais acompanhados de um grande número de correligionários da situação compareceram cedo à Câmara. Essa considerável mobilização realizada pelo grupo do prefeito indica para a importância que a sessão possuía na disputa política.
A mobilização do MDCEU, do GCU e da Comissão Pró-Grêmio surtiu efeito. Um grande número de pessoas – notadamente jovens – marcou presença na Câmara. A sessão havia começado. A plenária da Câmara lotada, parte em defesa do projeto de lei sobre assistência estudantil e parte em defesa do prefeito – ou seria contra o projeto? – como também a presença das Polícias Civil e Militar e da Guarda Municipal e os citados “particulares” instauraram um clima de tensão no ar.
Ao entrar na pauta o veto do prefeito, foi lido o parecer da comissão de Constituição, Justiça e Redação Final sendo favorável ao projeto e contra o veto, com dois votos a um, dentro da comissão. Os dois votos favoráveis – dos vereadores Davi (PDT) e de Armênia (PDT) de um partido de oposição e que se punham abertamente a favor do projeto. O parecer favorável refutava as razões alegadas pelo prefeito para justificativa do veto. A priorização do Ensino Básico pelo município, um dos motivos do veto, não leva, de acordo com o parecer, a “interpretar” “sequer” por uma “indicação de proibição aos Municípios de atuarem em outras áreas educativas”. A suposta exclusividade de tratamento de leis sobre matéria orçamentária que cabe ao Poder Executivo é algo “desmerecedor de maior atenção, porque incapaz de macular a boa técnica apresentada no Projeto”. O questionamento da “veracidade das assinaturas dos subscritores” também é refutado e, por fim, o parecer recorre á “Lei Federal nº 9.709 (...) [que] não admite a rejeição de projeto de lei de iniciativa popular (...) cabendo, ao colegiado legiferante providenciar a correção”. Por fim , conclui o parecer “por não haver qualquer fundamentação fatídico-jurígena capaz de sustentar a pretensão do Senhor Prefeito (...) opinamos pela rejeição do veto”[133].
Isso levou o outro membro da comissão, voto vencido, Luís Machado (PFL) a fazer um “parecer” em que concordava com a assistência estudantil, mas discordava da forma como o projeto a colocava e ressaltava a sua crença de que o prefeito Raul Machado iria apresentar uma proposta que fosse viável financeira e operacionalmente. Enquanto Luís Machado fazia sua defesa do prefeito – ou seria um ataque ao projeto? – os presentes na plenária que se punham a favor do projeto viraram as costas ao vereador.
Durante a discussão do veto, os vereadores Vilmar (PT), Davi (PDT) e Tarcísio (PT) fizeram falas favoráveis ao projeto e críticas ao veto do prefeito, visto como medida que somente prejudicava a população uibaiense. Armênia (PDT) disse que sua posição já estava posta no parecer da comissão favorável ao projeto e contrário ao veto do qual ela foi a relatora. Os demais vereadores – Dorival (PTB), Mãezinha (PP), Edson Filho (PP), Josenei (PFL) – se mantiveram em silêncio sobre qualquer posição com relação ao veto.
O que o tal silêncio dos vereadores quis dizer foi revelado na divulgação do resultado da votação do veto. A votação secreta dos vereadores foi acompanhada pelo Hino de Uibaí cantado pelos presentes que se punham favoráveis ao projeto. Enquanto versos como “Uibaí, Uibaí / aqui estou para contigo crescer / Uibaí, Uibaí / Aqui estou para te defender”[134] eram cantados pelos residentes das CEUs os vereadores de Uibaí decidiram por 5 contra 4 que seria aprovado o veto total do prefeito Raul Machado ao projeto de lei de iniciativa popular sobre assistência estudantil. Foi quase consenso nas discussões posteriores de que os dois vereadores do PT e os dois do PDT votaram contra o veto e de que os dois vereadores do PFL, os dois do PP e o único do PTB votaram a favor[135].
A sessão logo após a votação foi encerrada. Um enorme panelaço do MDCEU nas ruas da cidade encerrado na frente da prefeitura municipal com gritos de “viva o poder popular” e “a luta continua” marca o fim das grandes movimentações do dia 6 de maio. Uma faixa/grito de ordem sintetizava o tom dos discursos de boa parte das pessoas que se colocaram ao lado da implantação de uma política pública de assistência estudantil: “Não ao veto do prefeito. Quem não tem palavra, não merecer respeito”[136].

No sábado, 07 de maio, uma reunião do Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí realizada no Grêmio Voz do Povo, os residentes das Ceus realizaram uma avaliação do conturbado dia anterior. Da reunião foram tirados alguns encaminhamentos de orientação militante para o movimento estudantil uibaiense. O suporte material e organizacional à CEU-JAC, – ainda por ser implantada – o acompanhamento da organização de um Grêmio Estudantil no Colégio Manoel Levi, a necessidade de fiscalização das contas públicas, a discussão de um 2º Encontro de Estudantes e da IX SEAC, a importância de se fomentar a organização popular e a produção de uma carta de agradecimento ao povo de Uibaí pelo apoio ao projeto foram algumas das decisões tomadas pelo coletivo reunido[137]. Alguns desses aspectos foram ressaltados no dia seguinte, durante o evento Temas para a Juventude[138], uma discussão sobre movimento estudantil organizada pela Comissão Pró-Grêmio do Colégio Estadual Manoel Levi. O veto do prefeito venceu o Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí, mas este não se deu por derrotado e se articulava e modo a fazer valer uma das palavras de ordem de 06 de maio: “A luta continua”.


“Apareça, acorde até os miseráveis da terra
faça tremer os prédios, faça tremer os muros
das mansões, onde dorme a prosperidade
e em cada casa onde um camponês passa fome
apareça e queime todo o campo de trigo”

Muhamad Iqbal, poeta muçulmano e comunista[139]

Após o 06 de maio de 2005, apesar da dissolução do Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí, várias atividades foram realizadas por segmentos do movimento estudantil. Houve a criação de um Grêmio Estudantil no Colégio Estadual Manoel Levi[140] por estudantes que estiveram bem próximos de todo o processo da construção e do caminhar do projeto de lei de assistência estudantil. De 27 a 30 de outubro, AEUSU, CEU-FSA, CEU-JAC, CEU-SSA, Teatro do Oprimido Movimentação, GCU, STTR-Uibaí e GECEML organizaram o 2º Encontro de Estudantes de Uibaí no Grêmio Cultural Voz do Povo[141]. A programação contou com conversas sobre Fiscalização de contas públicas e cidadania, História da Educação de Uibaí, Movimento Estudantil, filmes documentários como A Revolta do Buzú, Farenheit 9-11 e o curta-metragem O fim do homem cordial, peças como Projeto de Professor e Uibaí: Cidade Universitária?. O caráter militante do evento, com uma orientação ideológica bem mais à esquerda do que os partidos políticos da cidade indica algo semelhante daquilo ocorrido nos anos 80, mas bastante distinto. A efetivação da Casa dos Estudantes de Uibaí em Jacobina, “com a proposta de integrar esses estudantes [uibaienses em Jacobina] no sentido de participarem organizadamente do movimento estudantil e popular no pé-de-serra”[142] e o início das discussões de uma IX Semana de Arte e Cultura de Uibaí enquanto “um instante de aprendizado do novo, de novas relações sociais e políticas, relações marcadas pela tolerância, pelo respeito, pela justiça, pela crítica e a autocrítica”, “um espaço de humanização”, “parte de um projeto maior de nova sociedade, de nova política”[143] são sinais de que “a luta continua”.
A derrota do projeto de lei de assistência estudantil serviu principalmente para destacar a importância que tal demanda possui na comunidade uibaiense. Para além da necessidade de uma política pública de assistência estudantil, a movimentação que culminou em 06 de maio de 2005 destacou que a mobilização do movimento estudantil e das forças populares se faz necessária para que os interesses das camadas populares sejam atendidos.
Do 06 de maio aprendemos que nosso caminho é a organização popular e estudantil, para além das eleições, com o intuito de realizar o embate cotidiano de modo a acumular experiência e força política no sentido de modificar a correlação de forças a favor dos setores pobres da sociedade. Só assim os interesses dos excluídos da sociedade serão atendidos. A disputa política por meios de acesso ao ensino superior pelas camadas subalternas da sociedade é somente a ponta do iceberg de uma luta que temos que enfrentar: a luta pela emancipação humana e pelo fim da exploração. Se não nos concentrarmos nessa perspectiva histórica de luta mais ampla, nossos objetivos em curto prazo serão atropelados pelo bonde da história e estaremos mais sujeitos às negociações da política suja de favores.
Do 06 de maio aprendemos que só é possível confiar no povo e que a esse só será dado qualquer benefício mediante pressão, luta e organização

Feira de Santana, Maio de 2006


[1] E. P Thompson. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. vol. 1
[2] Karl Marx. O 18 do brumário de Louis Bonaparte. Rio de Janeiro, Vitória, 1945.
[3] E. P Thompson. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1981.
[4] Jackson Rubem. Irecê. História, Casos e lendas. Irecê BA, , 2001.
[5] Orlando Oliveira Alencar. Raízes de um povo: Canoão tem história. Brasília, Edição do autor, 2002; João Fernandes da Cunha. Memoria Historica de Juazeiro. Juazeiro, 1978.; Adélio Dourado. Família Dourado. Descendentes de João José da Silva Dourado. Luziânia GO, Editora L. A. Card’s Ltda, 2003.; Adão de Assunção Duarte. Geografia de Central. São Paulo, Edição do autor, 1978. mimeog.; Adão de Assunção Duarte.  História de Central. São Paulo, Edição do autor, 1978. mimeog.; Reynaldo J La Banca. Monografia Histórica. Capital do Feijão e Mamona. Lapão, s.d. mimeog.; Reynaldo J. La Banca. Uibai – Sua origem. Lapão, Edição do autor, s.d. mimeog.; Cassimiro Machado Neto. Senhor do Bonfim e Bom Jesus de Chique-Chique (História de Chique-Chique). Xique-Xique, Edição do autor, 1997.; Mário Ribeiro Martins. Coronelismo no Antigo Fundão de Brotas. Goiânia, Editora Kelps, 2004.; Edizio Mendonça. Capitão João Pedro. Barra do Mendes, Edição do autor, 2002.; Edizio Mendonça. Barra do Mendes. Uma história de lutas. Salvador, Secretaria da Cultura e Turismo, 2003. Edizio Mendonça. O Coronel Militão Coelho. Salvador, Edição do autor, 1980.; Juvenal Neves. Vilarejo. A vila do bom sossego. A verdadeira História da Chapada Diamantina. Salvador, Governo do Estado da Bahia, 2001; Paulo de Souza Novaes. Minhas memórias. Feira de Santana, Gráfica e Editora da Costa, 2000; Malva Barros Oliveira. Vamos pro mundo? Aracaju, Bureau, 1999; João Martins Sobrinho. História de Traíras. [22 p. dig.]; Antonio Machado Souza. Pequena História de Uibaí. 1986. [29 p. dig.]; Osvaldo Alencar Rocha e Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo – uma vila do baixo-médio São Francisco. Brasília, Edição do Autor, 1988.
[6] Erivaldo Fagundes Neves. História Regional e Local: fragmentação e recomposição da história na crise da modenirdade. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana; Salvador: Arcádia, 2002.
[7] Erivaldo Fagundes Neves. Estrutura Fundiária e Dinâmica Mercantil: Alto Sertão da Bahia, séculos XVIII e XIX. Salvador\Feira de Santana, Editora da UFBA\UEFS, 2005.
[8] Osvaldo Alencar Rocha; Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo...
[9] Erivaldo Fagundes Neves. Estrutura Fundiária e Dinâmica Mercantil...
[10] Cassimiro Machado Neto. Senhor do Bonfim e Bom Jesus de Chique-Chique (História de Chique-Chique)...
[11] Taiane D. Martins; Janaina D. Martins. Aspectos político-pedagógicos da Escala Supletiva de Uibaí, regida por Cassimira Professora (1947-1958). Monografia de Graduação. Irecê. UNEB/DCHT/Campus XVI. 2005.
[12] Osvaldo Alencar Rocha; Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo...
[13] APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Seção Judiciária. Inventário de Venceslau Pereira Machado (1850). Estante 7, caixa 3127, período final 1853, documento 23, folha 30.
[14] Osvaldo Alencar Rocha; Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo...
[15] Magna Paiva da Silva. Mulher Hidolandense nos anos 50. In: Aos Camabrabeiros. Ano 1 n. 1, 23/04/2004.
[16] Paulo Roberto, Elaine, Lenivalter, Letícia e Arlon. Agricultura de Uibaí. In: Aos Camabrabeiros. Ano 1 n. 2, 01/11/2004.
[17] Osvaldo Alencar Rocha; Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo... p. 91
[18] Osvaldo Alencar Rocha; Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo.... pp. 56-57
[19] APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia. Seção Judiciário. Xique-Xique. Autos-Crimes. Assassinato de Jorge Bernado da Rocha; acusado: Marciano Severo Silva. 1863-1865. Assassinato de Martin Carvalho, acusado: Jonatas Pereira da Rocha. 1899.
[20] Flávio Dantas Martins. Capitalismo e Relações de Trabalho na Produção de Borracha Sertaneja. Inédito.
[21] Caio Prado Junior. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1977.
[22] Miguel de Teive Argolo e Justino da Silveira Franca. Memória sobre a Estrada de Ferro da Bahia. Bahia, Litho-Typo e Encadernação, 1908.
[23] Léo Zenhetner. Estudos sobre as maniçobas do Estado da Bahia, em relação ao problema das secas. Natal. EMPARN. 1912/1982.
[24] Firmino Serra Grande. ABC da maniçoba. In: Flávio Dantas Martins (org.). Antologia Poética Uibaiense. Inédito.
[25] Firmino Serra Grande. Obra citada.
[26] Miguel Viola. Abílio – Anti-Herói do sertão. In: Nave Terra, n. 5, s.d.
[27] Mendonça, Edizio. Coronel Militão. Salvador, Edição do autor, 1980.
[28] Osvaldo Alencar Rocha; Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo... pp. 98-104
[29] Osvaldo Alencar Rocha; Edimário Oliveira Machado. Canabrava do Gonçalo... p.71
[30] Entrevista de Abdias Brás da Costa. Caldeirão de Uibaí, 13/04/2006.
[31] Cassimiro Machado Neto. Senhor do Bonfim e Bom Jesus de Chique-Chique (História de Chique-Chique)...
[32] Entrevista de Celito Regmendes, pesquisador local, 22/02/2006.
[33] Cassimiro Machado Neto. Senhor do Bonfim e Bom Jesus de Chique-Chique (História de Chique-Chique)... p. 196
[34] Pedro da Rocha Machado. Um Lembrete. In: Edimicio Carvalho de Novaes. Uma eleição diferente... Uibaí, Edição do autor, 1998.
[35] Entrevista com Manoel Irineu Machado, Uibaí, março de 2003.
[36] Entrevista com Celito Regmendes; Luta Estudantil torna mais digna vida na CEU. In: Tribuna Estudantil n. 01, jan. 2005.
[37] Entrevista com Pedro Rocha...
[38] Entrevista com Celito Regmendes...
[39] Janaina D. Martins; Taiane D. Martins. Aspectos político-pedagógicos da Escala Supletiva de Uibaí, regida por Cassimira Professora (1947-1958)...
[40] Havia entre os fundadores da CEU e da Aeusu, estudantes naturais de Presidente Dutra, ligados aos uibaienses por laços afetivos e familiares e pelos problemas comuns de moradia em Salvador.
[41] Livro de Atas da Associação dos Estudantes Universitários e Secundaristas de Uibaí. F. 1.
[42] Antônio Machado Souza. Pequena História de Uibaí...
[43] Secretaria de Esportes, Confederação Interiorana de Vestibulandos e Universitários da Bahia.
[44] A Tarde, 22/04/1990; Informativo São Francisco do Conde s.d.
[45] Carta do prefeito Hamilton Ferreira à Aeusu/CEU, Uibaí, 10/09/1985.
[46] Entrevista com Celito Regmendes...
[47] Carta de Hamilton Ferreira Machado a Casa dos Estudantes de Uibaí. 10/09/1985
[48] AEUSU. Pela Sobrevivência da CEU. (Panfleto). Salvador, 14/06/1973
[49] Parecer parcial da Comissão de Orçamento e Finanças. Vereador Relator Edson Maciel Filho. Uibaí, 21/08/1992.
[50] Livro de Atas da Aeusu (1973-1984), assembléia de 01/09/1984.
[51] Livro de Atas da Aeusu (1973-1984), assembléia de 17/01/1979.
[52] Alan Oliveira Machado. Moradia Estudantil. Uibaí, Boca do Inferno, 2002.
[53] Entrevista com Celito Regmendes...
[54] Entrevista com Bernadete Alves. Feira de Santana, 23/01/2006.
[55] Entrevista com Celito Regmendes...
[56] Pita Paiva. O que direi da poesia hoje? In: Um deus que dança. Ensaio e poemas. Salvador, Edição do autor, 1999.
[57] Entrevista com Celito Regmendes...
[58] Livro de Atas da Aeusu (1973-1984), assembléia de 13/03/1980.
[59] Alan Oliveira Machado. As Semanas de Arte de Uibaí. In: Boca do Inferno. n. 28. nov. 2005.
[60] Programação da I SEAC, 21 a 25/01/1988. GCVP.
[61] Alan Oliveira Machado. As Semanas de Arte de Uibaí...
[62] Atas dos Encontros da Comunidade Uibaiense. Correspondência do GICUS à AEUSU, 1984/1986.
[63] Decreto de desapropriação n. 118, 24/02/1989.
[64] Mandato de Segurança da AEUSU contra ato do Prefeito Municipal de Uibaí. Salvador/Comarca de Central, 19/06/1989
[65] Correspondência do Prefeito Municipal à Juíza de Direito da Comarca de Central. Uibaí, 08/12/1989
[66] Sentença. Processo n. 3.504/89. Central, 05/03/1990
[67] Idem.
[68] Documentação da Aeusu/CEU/CIVUB
[69] Entrevista de Celito Regmendes…
[70] Boca do Inferno. n. 10, set. 2002.
[71]Rui Oliveira Machado. Aprendendo a cada eleição. In: Boca do CEU. Ano IV, set. 2004.
[72] Bruno Konder Comparato. A Ação Política do MST. São Paulo, Expressão Popular, 2003.
[73] Graça Druck. Globalização, Reestruturação produtiva e Movimento Sindical. In: Caderno CRH. 24/25. jan.dez. 1996.
[74] Maslowa Freitas. A reestruturação produtiva e a ressignificação do trabalho na atualidade. In: Humanas, ano 01, jan./jul. 2002.
[75] Graça Druck. Globalização, Reestruturação produtiva e Movimento Sindical...
[76]Ricardo Antunes. A desertificação neoliberal no Brasil (Collor, FHC e Lula). Campinas SP, Autores Associados, 2004. Ricardo Antunes; Maria A. Moraes Silva (org.). O avesso do trabalho. São Paulo, Expressão Popular, 2004.
[77] Nossa História. In: Jornal da Ceubras. Ano 22, n. 02, set. 2001.
[78] Informe Aeusu. n. 01. s.d..
[79]Marlon Gomes; Savigny Machado. CEU no inferno. In: O Boca. Ano 3, n. 8, 25/01/2001.
[80]Marlon Gomes. Livro de Enoch faz papel do poder público. In: O Boca. Ano, n. 11, 25/05/2001.
[81] Idem.
[82] Marlon Gomes; Savigny Machado. CEU no inferno...
[83] Marlon Gomes. Livro de Enoch faz papel do poder público...
[84] Marlon Gomes; Savigny Machado. CEU no inferno...
[85] Dadá. Desabafo. In: Jornal da Ceubras. Ano 22, n. 02, set. 2001.
[86] Marlon Gomes. Livro de Enoch faz papel do poder público...

[87] Livros de Ata, fotos e outros arquivos do GESSA.
[88] Ceubras, Compromisso com a Educação. In: Jornal da Ceubras. Ano 19, n. 48, set. 2000.
[89] Bichu Duzimbu. III Encontro de Baianos. In: Jornal da Ceubras. Ano 22, n. 02, set. 2001.
[90] Resultado das Eleições de 2000.In: O Boca. Ano 3, n. 5, 18/10/2000.
[91] Tarcísio PT. Informe extraordinário do vereador Dr. Tarcísio – Uma história de lutas. Uibaí, ago. 2002.
[92] Jornal da Frente. Ano 1, n. 1, mar, 2003.
[93] Rui Oliveira Machado. Aprendendo a cada eleição...
[94] Registramos aqui que no período abarcado pela análise, houve a criação da Casa dos Estudantes de Uibaí em Campina Grande. Todavia, a falta de solidariedade por parte das demais casas e outros fatores terminaram por inviabilizá-la. (Nota do autor, 09/02/2010)
[95] Tarcísio PT. Informe extraordinário do vereador Dr. Tarcísio – Uma história de lutas. Set. 2002.
[96] Tarcísio. Uibaí nunca recebeu tantas obras como agora. (Panfleto). Uibaí, s. d.
[97] Núcleo de Apoio ao PT de Uibaí em Brasília. Nota ao Povo de Uibaí. s. d.
[98] Mais um descaso do Poder Público. In: Boca do Céu. Ano 3, jan./fev./mar. 2002.
[99] Uibaí – Incompetência comprovada. In: O Semanário. Irecê BA, 28/10/2002.
[100] Alan Oliveira Machado. Em Uibaí, as urnas desmascaram o falso apoio da direita. In: Boca do Inferno. n. 12, fev. 2003.
[101] Uibaí: Muito eleitor para pouco morador. In: Boletim Zé das Virgens. 24/01/2003.
[102] Comitê Popular de Combate à ALCA. A Juventude é agredida por vereadores. 07/09/2002.
[103] Alan Oliveira Machado. E a Praça ficou inquieta. In: Boca do Inferno. n. 12, fev. 2003.
[104] Letícia Minorum. Estudantes lutam por moradia. In: Boca do Inferno. n. 21, fev. 2005.
[105] Associação dos Estudantes Universitários e Secundaristas de Uibaí. Prestação de Contas da VIII SEAC. 2005.
[106] Luta estudantil torna mais digna a vida na CEU. Tribuna Estudantil. n. 01, dez. 2004/jan. 2005
[107] Livro de Atas da Casa dos Estudantes de Uibaí em Feira de Santana – CEU-FSA. F. 1 e 2; O Povo Uibaiense e a História nas mãos. In: Tribuna Estudantil. n. 01,  dez. 2004/ jan. 2005
[108] Frente de Lutas. Tribuna Estudantil. n. 01, dez. 2004/ jan. 2005
[109] Página Cultural. Informativo do Grêmio Cultural Voz do Povo. Ano 1, n. 02, nov. 2004.
[110] Grupo de Cidadania já é realidade em Uibaí. In: Jornal do Cidadão. Ano, n. 01, ago. 2005
[111] Primeiros Passos do GCU. In: Jornal do Cidadão. Ano, n. 01, ago. 2005
[112] GCU recorre ao Ministério Público para realização de concurso. In: Jornal do Cidadão. Ano, n. 01, ago. 2005
[113] Letícia Minorum. Estudantes lutam por moradia. In: Boca do Inferno. n. 21, fev. 2005.
[114] Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre Assistência Estudantil.  n. 001/2005. 24/01/2005
[115] Orçamento Participativo Já! In: Tribuna Estudantil. n. 03, ago./set./out. 2005.
[116] Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre Assistência Estudantil...
[117] Comunicado do Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí na Rádio Líder FM. 24/02/2005.
[118] idem. p. 1-2
[119] idem. p. 4
[120] idem.
[121] Estatuto da Associação dos Estudantes Universitários e Secundaristas de Uibaí. 06/01/1973
[122] Na lista das 2006 assinaturas constam os nomes dos vereadores Armênia Borges, Vilmar Machado, Davi Garcia e Dorival Machado.
[123] Comunicado do Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí na Rádio Caraíbas FM. 14/02/2005
[124] Vitória Importante. In: Boca do Inferno. n. 22, mar. 2005.
[125] Caricatura mal feita. In: Tribuna Estudantil. n. 02, fev./mar./abr. 2005
[126] Parecer da Comissão de Justiça e Redação Final ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular n. 01/2005. Vereadora Relatora Armênia Borges. 03/05/2005.
[127] Uma história de lutas. In: Tribuna Estudantil. n. 02, fev./mar./abr. 2005
[128] Vavá. As lições do veto ao apoio às residências estudantis. In: Miliptante. Canal de comunicação do Núcleo de Apoio ao PT de Uibaí em Brasília. n. 01, out. 2005
[129] Grupo de Cidadania de Uibaí. Faça seu direito valer. Maio 2005
[130] Todo poder ao povo. In: Tribuna Estudantil. n. 02. fev./mar./abr. 2005
[131] idem
[132] idem
[133] Parecer da Comissão de Justiça e Redação Final ao Projeto de Lei de Iniciativa Popular n. 01/2005. Vereadora Relatora Armênia Borges. 03/05/2005.
[134] Antônio Machado Souza. Hino de Uibaí.
[135] Vavá. As lições do veto ao apoio às residências estudantis. In: Miliptante. Canal de comunicação do Núcleo de Apoio ao PT de Uibaí em Brasília. n. 01, out. 2005
[136] Faixa da CEU-FSA.
[137] Relatório da reunião do MDCEU no GCVP, 07/05/2005.
[138] Programação Temas para Juventude. Fórum Regional de Debates/ Associação de Estudantes da Região de Irecê / Pastoral da Juventude / Movimento em Defesa das Casas dos Estudantes de Uibaí. 07/05/2005.
[139] Tariq Ali. Imperialismo e Resistência. São Paulo, Expressão Popular, 2005.
[140] Novas Trincheiras. In: Tribuna Estudantil. n. 03, ago./set./out. 2005.
[141] Tribuna Estudantil. n. 04, jan. 2006.
[142] CEU-JAC. In: Tribuna Estudantil. n. 05, fev./mar. 2006.
Fórum do Movimento Estudantil de Uibaí. 2010

Pedro Rocha e João Ferreira, prefeitos que articularam o apoio do poder público à CEU

idem

aniversário da CEU realizado no salão do Grêmio. anos 1970

turma na CEU, anos 70

Peça Uibaí: cidade universitária???? do grupo de Teatro Movimento retratando a realidade dos jovens não-universitários de Uibaí

Apresentação do projeto de lei de assistência estudantil pela Aeusu em fevereiro de 2005

os únicos vereadores de então que compareceram ao evento acima

protesto contra veto do prefeito Raul ao projeto de lei de assistência estudantil

sessão da Câmara que votou o veto do prefeito

idem

protesto 

estudantes em vigílina na Câmara em protesto pela derrubada do veto


[143] O que queremos para a IX Semana de Arte e Cultura de Uibaí-2006? In: Tribuna Estudantil. n. 04, jan. 2006.