26 de fev. de 2010

2008 - Campanha em Defesa da Educação Pública


Relatório da reunião com professores e comunidade em Hidrolândia (21/novembro/2008)



No Colégio Edson Pires Maciel, aconteceu uma reunião com membros do Movimento Vicente Veloso e professores da Vila de Hidrolândia. Estavam presentes 24 professores que dão aulas nas escolas Riacho D’areia, Sossego da mamãe, Manoel da Nóbrega, Sobreira e Caldeirão.
A metodologia consistiu na identificação de problemas, na elaboração de propostas e na organização dos encaminhamentos. Após a abertura de Frank apresentando o Mvive e os motivos da reunião, houve a exposição de Janaina e começou a discussão.
A respeito do Ensino Infantil, Poliana, profª na Mão Fechada, a proximidade com o asfalto representa perigo para os alunos; as cadeiras são inadequadas para a faixa etária dos alunos; só existe papel e há completa ausência de material; o banheiro localiza-se fora da escola; a quantidade de alunos por sala é alta, sendo o número ideal de 15; não há eletricidade o que impede o uso de aparelhos de som, tv, dvd e há problemas nas janelas.
Luzia, profª no Sobreira, diz que não há faxineira, não há água encanada – o que impede o uso do banheiro –; não há outro material que não papel A4. As salas são de séries mistas, havendo uma sala de 1ª e 2ª, uma sala de 3ª e 4ª e uma sala de Educação Infantil. Há vezes, em que professores de Educação Infantil compram material com o próprio dinheiro.
Glória levantou o problema de alunos especiais: as grandes dificuldades, o despreparo dos professores e, às vezes, a presença de um número razoável – há casos de 4 – em uma sala. Sueli e outros ampliaram a discussão: há alunos com deficiência auditiva, que não falam, com comportamento violento – com exemplos de que cospem no rosto de colegas e professores. Ivanuza colocou que uma certa vez, um psicólogo foi à escola, mas não houve acompanhamento. Edilma colocou que é preciso que haja formação adequada. Frank e outros chamaram atenção para a necessidade de acompanhamento de outros especialistas, a exemplo de psiquiatras, psicólogos e psicopedagogos. Glória, Ivanuza, Luzia e outros chamaram atenção para a necessidade de conscientizar os pais da importância da escola, já que há casos de alunos que vão para os pais não perderem o bolsa-escola.
A partir daí, foram levantadas as seguintes reivindicações:

FORMAÇÃO DOS PROFESSORES PARA TRABALHAR COM ALUNOS ESPECIAIS
CONTRATAÇÃO DE OUTROS ESPECIALISTAS PARA ACOMPANHAMENTO DO TRABALHO ESCOLAR
RESPONSABILIZAÇÃO DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO ESCOLAR
RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DE FALTA DE MATERIAL
MELHORIA DA ESTRUTURA FÍSICA PRECÁRIA

A partir daí teve início uma discussão mais ampla, sobre problemas gerais da escola. Foi levantada a questão de que é preciso que haja participação dos pais na vida escolar. A educação familiar chega a alguns casos em que a mãe “mata o filho de bater” para “educá-lo”.
A carência de material é tamanha que só existe 1 mimeografo para Hidrolândia, Traíras e Sobreira. O Conselho Escolar só se reúne quando chega dinheiro Regina colocou que o PDE melhorou a situação. A prefeitura abandona a escola que só se pode ser mantida graças ao dinheiro do Estado, sendo que em novembro o material acaba. Não há formação digital/informática para os professores. Frank chamou atenção para a falta de segurança do material e Glória coloca que quando chove entra água na escola. A estrutura é problemática, havendo muito calor, problemas de luz no quadro e água entrando na escola durante as chuvas. Maria Helena pediu a mudança de lugar do quadro-negro e esta nunca veio: a mesma fez um abaixo-assinado com os alunos da 8ª série e enviou vários ofícios para a Prefeitura; esta mandou um mestre de obras, mas a reforma nunca foi efetivada.
Sueli, professora no Sobreira, reclamou das salas mistas. Os professores levantaram queixas da insuficiência das salas e da confusão na localização dos professores e na relação escola / prédio. O Edson Pires não é registrado e, portanto, não existe. O EJA do Riacho de Areia funciona no Edosn; a escola Sossego da Mamãe (educação infantil) funciona no Edson e o Manoel da Nóbrega funciona no Riacho da Areia.
Não há regularidade na merenda. Quando esta existe, não tem qualidade, não é adequada e muito menos nutritiva.
As escolas não são arborizadas. O Riacho de Areia parece um curral – tem um aspecto horrível – está precária, existe um banheiro para professores e alunos e a fossa está aberta há meses.
Frank propôs a horta escolar como espaço para aula de campo e melhoria da merenda com participação dos alunos. Carlos foi contrario, dizendo não acreditar ser possível uma horta mantida por alunos. Também se falou da necessidade de mais aulas de campo para estimular os alunos no conhecimento de sua realidade. Discutiu-se a proposta de um livro didático sobre o município (geografia e história); da possibilidade de trazer os idosos para dentro da escola para contar histórias e causos, falar sobre história regional e local. Também se falou da necessidade de trazer para dentro da escola poetas, cantores, contadores de causos de modo a aumentar a integração escola-comunidade.
Falou-se também da necessidade de envolver os pais e conscientizá-los da importância da escola, da ausência de tinta, da falta de acesso dos alunos a computadores e a formação adequada havendo ume estado de exclusão digital.
As escolas da vila de Hidrolândia só dispõem de uma máquina de xerox quebrada, de dois computadores e de impressoras sem tinta.
Edilma chamou atenção para a necessidade de novas disciplinas: educação agrícola e ensino religioso, sendo completada por Frank que propôs a filosofia e a educação política. Chamou-se a atenção para a evasão e para a necessidade de melhoria de Educação Física.
Desse modo, levantaram-se, a seguir, as seguintes propostas:

ARBORIZAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR
AUMENTO E MELHORIA DO MATERIAL ESCOLAR
CONSCIENTIZAÇÃO DOS PAIS DA IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO
CONTRATAÇÃO DE OUTROS ESPECIALISTAS PARA ACOMPANHAMENTO DO TRABALHO ESCOLAR
ESTRUTURA FÍSICA PRECÁRIA
FORMAÇÃO DOS PROFESSORES PARA TRABALHAR COM ALUNOS ESPECIAIS
INCLUSÃO DE DISCIPLINAS: FILOSOFIA, EDUCAÇÃO FÍSICA, EDUCAÇÃO AGRÍCOLA, EDUCAÇÃO POLITICA, HISTÓRIA DAS RELIGIÕES
INCLUSÃO DIGITAL PARA OS ALUNOS DE HIDROLÂNDIA
MELHORIA DA ESTRUTURA FÍSICA PRECÁRIA
REGULARIZAÇÃO DA DISPARIDADE ESCOLA / PRÉDIO
RESOLUÇÃO DOS PROBLEMAS DE FALTA DE MATERIAL
RESPONSABILIZAÇÃO DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO ESCOLAR
RESPONSABILIZAR PREFEITURA
USO DA HORTA ESCOLAR
VALORIZAÇÃO DA REALIDADE LOCAL ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA REGIONAL E LOCAL E DO USO DE AULAS DE CAMPO

Uibaí, 25 de novembro de 2008.

24 de fev. de 2010

Vicente Veloso e a escravidão




Vicente Veloso era livre por atitude, escravizado por lei!
Vicente Veloso, preto de cor, escravo por lei, livre de fato! Oprimido por um sistema violento que o reduzia a coisa, a posse alheia, a mercadoria que figurava ao lado de bois, cabras, mulas, éguas e não como gente. Vicente rebelou-se e decidiu assaltar o sertão: usou da violência libertadora contra o senhor violento e conquistou a sua liberdade na marra. Recusou o destino que o sistema lhes reservava e que os seus senhores mais aguardavam: trabalhar até a morte completa, ou, até uma velhice para ser entregue a deus-dará, à caridade pública, a virar um esmoler.
A lei Áurea, a famosa abolição em 1888, não acabou com a escravidão. Ela acabou com a legislação que permitia que pessoas fossem reduzidas a coisas, a peças com um valor, um preço e uma função: gerar riqueza para seu dono. A exploração continuou! O racismo continuou! A pobreza dos que trabalham continua... Dias e dias de trabalho geram a riqueza dos patrões, dos donos das terras, dos mercados e das mansões e não são suficiente para matar a fome. A repressão, a violência do Estado e da classe dominante mudou de forma, mas segue sem transformação alguma o conteúdo!
Os filhos de Vicente Veloso não são mais “escravos” segundo a lei; mas precisarão se levantar para serem LIVRES de verdade!
A escravidão colonial significou arrancar violentamente dezoito milhões de pessoas de suas terras na África e trazê-las para trabalhar na América até morrerem, até esgotarem, para que dessem o maior lucro que fosse possível. Significou exterminar perto de cento e cinqüenta milhões de indígenas americanos para tomar suas terras, para tirar deles até a última gota de trabalho.
Onde houve escravidão, houve resistência.
Vicente Veloso foi um negro escravo que matou seu senhor em Jacobina, isso por volta do início dos anos 40 do século XIX. Segundo o poeta Valmir Rosa “ele se revoltou contra o patrão e entraram em luta corporal e ele derrubou o patrão lá por cima de umas pedras e tirou uma espada que o patrão portava na cintura e sangrou o patrão deixando ele lá inerte sobre uma poça de sangue” Fugiu, caiu no mato.
Como diziam os negros “Deus é grande, o mato é ainda maior”. Jacobina, importante centro minerador, possuía registros de quilombos desde 1726. Consta, também, que no início de 1806, uma expedição que partiu de Xique-Xique em busca de ouro encontrou alguns quilombos no alto de umas serras.
Depois de andar por alguns dias, talvez em busca de companheiros fugidos, talvez apenas fugindo dos capitães-do-mato, que tentariam levá-lo de volta à escravidão, Vicente Veloso deu pelas terras de Canabrava.
“Segundo os nossos informantes, e alguns parcos registros que encontramos, no final da primeira metade do século XIX, isto por volta de 1844, um escravo de nome Vicente Veloso, fugindo da região mais próxima ao litoral para as brenhas do sertão, veio se encontrar sua liberdade nas encostas da Serra das Laranjeiras, ou Serra Azul, onde viveu por algum tempo escondido da terrível repressão dos capitães-do-mato.” (Osvaldo Rocha e Edimário Oliveira, Canabrava do Gonçalo)
Vicente Veloso encontrou terras que não tinham dono. Terras de ninguém. Isso, porque, ao longo dos séculos XVII e XVIII, os invasores portugueses fizeram uma tática de guerra de terra arrasada contra os povos indígenas que habitavam os sertões. Os povos indígenas resistiram bravamente, foram inimigos terríveis. Sua guerra em defesa de sua terra só terminou quando foram exterminados. Muitos foram escravizados, viraram sem-terra, foram obrigados a esquecer sua cultura, sua língua, suas raízes.
Essa é a história. Foi assim que Uibaí começou. Um escravo matando seu senhor e indo em busca da liberdade. Ela chega a uma terra lavrada com sangue de guerras contra os povos indígenas. Um mito rebelde que temos que manter. Que temos que resgatar. Que temos que reivindicar. Uma luta que temos que continuar.
Todos aqueles que trazem no rosto, no sangue, na memória, na pele, na vida, as marcas de cinco séculos de opressão, de guerra, mas também de resistência, de luta contra a escravidão, somente esses podem dizer: Vicente Veloso vive! Está presente!
Venceslau Pereira Machado era um pequeno criador a agricultor. Provavelmente, pressionado pelas dificuldades econômicas na Serra do Assuruá, juntou suas tralhas, sua numerosa família, seus 3 escravos e partira para os confins da caatinga onde as promessas de Vicente anunciavam água farta e terra fértil. Vicente partiu, sabe-se lá para onde. Venceslau, pequeno proprietário de escravos em ruína econômica se apossou das terras e fez sua morada na beira do riacho Canabrava. No montante de sua riqueza, quando faleceu em 1850, a fazenda Canabrava valia 500$000 (quinhentos mil reis), enquanto Maria Africana valia 400$000 e o menino Antonio custava 300$000.
A primeira canabravense, provavelmente, foi uma pessoa escravizada. Tudo indica que era filha da africana Maria com algum filho de Venceslau (senão com o próprio) já que ela era cabra, ou seja, de cor clara. Se fosse filha de um africano, seria crioula; se fosse filha de um branco, seria mulata; como era filha de uma africana com alguém da família de Venceslau, era cabra. Manoela, o seu nome, possuía um ano de idade em 1950. Não obstante não ter havido exploração de trabalho de escravizados, nem relatos de fugas, violência e castigo, apesar de não ter havido escravismo na fazenda Canabrava não podemos esquecer uma coisa. A escravidão não deixou de ser violenta: quando houve a partilha dos bens de Venceslau entre seus herdeiros, a escrava Maria foi vendida. Vendida como se fosse um tamborete, uma peça, uma coisa qualquer que custava muito, mas não o suficiente ao que merece uma vida humana. Sendo a provável mãe de Manoela temos aí um episódio de violência estarrecedora: a separação forçada entre mãe e filha, evento de uma violência enorme. A terra que viu há pouco o exemplo de liberdade se salgava com as lágrimas de Maria e Manoela. Lágrimas também derramadas por Domingos Cabra, trocado em 1870 pela fazenda São Gabriel.

23 de fev. de 2010

1º Fórum do Movimento Estudantil de Uibaí


1º Fórum do Movimento Estudantil de Uibaí

1º Fórum do Movimento Estudantil de Uibaí
Data 28/02 (domingo) Local: Colégio Estadual Manoel Levi

Programação:
9 h - Início
* Discussão sobre História e situação atual do Movimento Estudantil de Uibaí
* Grupos de Trabalho: Grêmio e movimento secundarista; Reorganização e reforma do estatuto da Aeusu; Regulamentação da Lei de Assistência Estudantil e Contrapartida social no município.

Todos estão convocados para transformar a história do nosso município.

Ass: Comissão Organizadora

15 de fev. de 2010

O MOVIMENTO VICENTE VELOSO COMO UM INSTRUMENTO DE EDUCAÇÃO POPULAR


Nota: o presente texto foi de circulação e discussão interna do MVIVE em dezembro de 2008. Apresenta algumas questões a partir da experiência de atuação do grupo.



A educação muitas vezes é vista como uma questão de escolas normais, técnicas e universidades que está restrita aos espaços formais. Nada mais incorreto confundir educação escolar com educação. A educação entendida como experiência de socialização e de formação política, moral, cultural, etc. compreende vários espaços, sendo alguns dos fundamentais: a família, o trabalho, a religião, a política partidária, etc. Para tornar mais evidente a distinção entre educação escolar e educação no sentido amplo, vamos chamar essa de educação social. Se entendemos que existe educação é porque existem educandos e educadores. No caso da educação social, os educandos são todos, inclusive os educadores. Educadores são, entretanto, pessoas em determinadas posições de comando (pais, mães, chefes de obras, patrões, gerentes de empresas, delegados, policiais, juizes, oficiais de justiça) ou de influência (professores, diretores, padres, jornalistas, radialistas, etc.).
Esses educadores são chamados pelo filósofo revolucionário italiano Antonio Gramsci de intelectuais. Segundo ele, “Os intelectuais são os ‘prepostos’ dos grupos dominantes para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso ‘espontâneo’ dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo dominante à vida social, consenso que nasce “historicamente” do prestígio (e, portanto, da confiança) obtida pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura ‘legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo” (Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, vol. 2)
Política e Educação Social
Podemos dizer que se a situação política é insatisfatória é por que temos uma educação deficiente. A totalidade social é sempre bastante influenciada pela educação social. Todavia, a totalidade social define a educação. É uma rua de duas mãos. “A doutrina materialista de que os homens são produtos das circunstâncias e da educação, de que homens modificados são, portanto, produto de outras circunstâncias e de uma educação modificada, esquece que as circunstâncias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado” (Marx, Teses sobre Feuebarch).
Se temos uma sociedade autoritária onde as hierarquias são rígidas, opressivas e parecem, na cabeça da maioria das pessoas, inamovíveis como o céu e a terra é porque temos uma educação social que assim nos ensina. Se aprendemos dentro de casa que deve-se obedecer sem questionar, se aprendemos na escola que deve-se obedecer se ser disciplinado, se aprendemos no trabalho que o melhor é não questionar as péssimas condições de trabalho, a precariedade das ferramentas e os baixos salários, enfim, se aprendemos tudo isso e permanecemos tal qual a educação social no educou, teremos então aceitação passiva a uma política autoritária e aos mandos e desmandos de chefes. Pois, na pobre cabeça ingênua, assim como o pai ou a mãe, o patrão e o professor ou diretor são autoridades inquestionáveis e que nunca erram, o representante político, seja prefeito, vereador ou deputado será sempre o mesmo, ou gente do mesmo tipo (geralmente rica), e que nunca a situação mudará. De uma educação social autoritária temos uma ordem social correspondente.
Num passado recente, em nosso município, tínhamos uma Pedagogia da Palmatória: ela consiste no fenômeno histórico que foi o conjunto de práticas e idéias referente a uma forma de educação escolar baseada no aprendizado pela força e pela ameaça (coerção e coação), sustentadas fortemente por um catolicismo tradicional e conservador. Aprendia-se a contar, ler e escrever. Cassimira Maria Machado, um grande exemplo dessa Pedagogia da Palmatória, fazia o argumento: uma roda de alunos respondia a uma sabatina: quem acertasse espancava quem errasse. Aprendia-se o respeito à autoridade, à Igreja e a obediência incondicional. Essa pedagogia sustentava uma política autoritária, onde não havia voto, os representantes eram escolhidos pelo dinheiro e pela força das armas, sem participação política do povo trabalhador, o chamado coronelismo. Não só a educação escolar, mas também a educação social (família, trabalho, etc.) eram espaços autoritários e ainda bastante marcados pela escravidão que operava uma idéia de que se fosse dono de alguém tinha o direito de fazer o que quisesse e bem entendesse.
É preciso fazer duas considerações a respeito da educação social.
1) os espaços que a produzem não são homogêneos. É muito provável que haja duas vertentes distintas nesse espaço, pois, eles são marcados pela contradição. Ela pode ser uma contradição entre sujeitos diferentes: numa mesma escola, pode haver um professor bastante atrasado do tipo: “o professor sempre tem razão” e um professor progressista, aberto, que discute e decide as questões da sala de aula coletivamente. Ou então, a contradição pode estar presente no mesmo educador social: um pai que ensina ao filho a obediência, mas também a dignidade. Quando a obediência entra em contradição com a dignidade o educando faz a sua escolha: desobedece e conserva sua dignidade ou perde-a para manter a hierarquia que não o respeita. Há também o caso de um padre católico que pode educar os seus fiéis que Deus é grande, é autoridade, é tudo, e cada fiel é pequeno, é servo, é nada. Ou então, pode dizer aos mesmos que Jesus, filho de carpinteiro e também trabalhador manual, homem do povo, dizia que “é mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de deus”, condenando a riqueza e dizendo que quem conhece a verdade pode se libertar das leis opressivas e corruptas.
2) A mensagem depende da recepção do educando. A formação de uma pessoa é ampla: ele pode estar imerso em uma família autoritária e em uma escola libertária. Ou então, ele pode estar em uma família, em uma escola e em relações de trabalho opressivas e levantar-se contra elas. O educando tem uma relativa autonomia para tornar-se um dependente, um escravo, ou um rebelde social, um livre.
Daí a importância de uma nova educação social: criar os espaços para que o novo homem e a nova mulher, livres das correntes da obediência incondicional, da autoridade suprema, da auto-estima baixa, da ignorância. Em nosso país temos vários exemplos e espaços de nova educação social: sindicatos combativos, comunidades organizadas, ligas camponesas, quilombos de ex-escravos que fugiam de seus senhores, Canudos dos discípulos de Antonio Conselheiro, partidos de esquerda. Alguns são mais avançados do que outros. Não é possível comparar o papel de nova educação social de um quilombo no tempo da escravidão para uma cooperativa em tempos de “democracia” liberal. Mas é inegável que todos os espaços que ensinam em alguma medida a solidariedade, a força da coletividade, a organização autônoma, o desrespeito ao autoritarismo são espaços de nova educação social.
O Movimento Vicente Veloso é um espaço de nova educação social para seus membros e cria novos espaços semelhantes para o povo. Quando organizamos uma reunião e falamos da importância da organização do povo; quando mostramos ao povo que o Estado somente torna efetivos os direitos dos trabalhadores quando estes se movem e lutam por eles; quando fazemos um jornal que denuncia a opressão, a injustiça e a violência do Estado capitalista; quando contribuímos na luta por transparência, justiça, democracia e participação popular nas decisões importantes, estamos construindo um espaço de nova educação social.
Mas o movimento não é um fim em si. Ele não se esgota em si mesmo. Sabemos que a história não é uma roda que só anda pra frente: ela avança e retroage para depois avançar. Então a organização popular só serve quando está com um objetivo maior. De fato, lutamos para que o povo trabalhador tenha garantido seus direitos, tenha uma vida melhor, tenha acesso a saúde, educação públicas que satisfaçam suas necessidades, tenha trabalho, justiça social e dignidade.
Nosso fim é uma sociedade onde o povo tome as decisões importantes a respeito do poder e da riqueza. Nosso fim é uma sociedade na qual cada um tenha direito de acordo com a sua necessidade. Trata-se de passar do reino da necessidade para o reino da liberdade.
Educação social: o povo é o público alvo?
Mas se pensamos em fazer uma nova educação social é preciso perceber que todo processo educativo é uma relação. E toda relação pedagógica exige educador e educando. O Movimento Vicente Veloso sendo um educador coletivo que está junto ao povo, auxiliando-o na sua organização, criticando-o quando o mesmo apegar-se a valores mesquinhos, corporativistas e egoístas. Todo educador pressupõe um educando. Educar a quem? Ao povo, mas quem é o povo? Antonio Carlos Magalhães era povo? Seus representantes menores, os vereadores e diretores de escola de Hidrolândia são povo?
O conceito de povo é bastante controverso. Ele tem seu uso moderno sobretudo na formação do Estado Nacional Moderno. Povo seria o conjunto de pessoas de um país que fala uma língua comum, tem uma cultura comum e um Estado e governo comum. Daí falaríamos, em povo brasileiro, povo francês. Cada povo teria seus símbolos como o hino francês, o hino brasileiro, a seleção de futebol brasileiro, a bandeira, etc. Com o passar do tempo surgiram novas idéias a respeito de povo: se povo é um conjunto de gente com uma cultura e uma língua, ou mesmo uma forma peculiar de falar uma língua podemos falar que no Brasil existem vários povos. Existe o povo Tupi, o povo Pataxó, o povo Kariri e muitos outros povos indígenas. Tem gente que vai mais longe: fala em povo serrano, povo ribeirinho, povo sertanejo, povo catingueiro...
No Brasil, para além desses usos que designam elementos de identidade nacional, o termo povo é tem um viés classista. Povo é gente das classes populares. Povo é pobre, trabalhador, popular. Mas pobre não é somente uma designação de classe social, mas também cultural. Na medida em que cada classe tem sua cultura, a origem e a situação cultural de uma pessoa podem fazê-la “do povo” sem que o mesmo seja, então, uma pessoa das classes populares. Lula é o melhor exemplo disso: não fala “difícil”, bebe cachaça, usa exemplos práticos do dia-a-dia das classes populares, é de origem operária. É povo. Mas ninguém crê que Lula seja um homem pobre hoje.
Em Uibaí, podemos observar que existe uma outra distinção: entre povo e intelectuais. Intelectual seria o que estudou. Povo não. Trata-se, todavia, de uma questão de formação, nem sempre econômica. Há gente rica que não tem sequer o ensino médio e professores com nível superior que podem ser considerados pobres. Desse modo não podemos fazer uma relação direta entre povo e pobreza. O primeiro é uma construção mais complexa do que somente indicadores econômicos podem indicar. O nosso movimento estaria direcionado a educar o povo, então?
Karl Marx diria que não. O mesmo desenvolveu uma teoria com o objetivo de fundamentar a prática de militantes que atuassem junto ao movimento dos trabalhadores para a transformação do mundo capitalista em mundo socialista. Ele defendia o que se traduz comumente por proletariado. Todavia, há dois problemas na conceituação.
Primeiro que o termo é de uso restrito. É mais um termo de intelectuais do que um termo de uso “popular”. Segundo que o termo é mal interpretado. Muitas vezes usa-se como sinônimo de operário industrial. Seria, então, para Marx o trabalhador de indústria o sujeito revolucionário que se devia educar para a transformação. Não é verdade. Para Marx, o proletariado, a classe revolucionária, seria o conjunto de pessoas que vivem do próprio trabalho e que, através das relações capitalistas, tem uma parte de seu tempo de trabalho (a mais-valia) destinada para o capitalista, uma pessoa que não trabalha e que vive, muito bem por sinal, de explorar o trabalho alheio.
De acordo com Marx a exploração do trabalhador seria a principal base do capitalismo. O capitalista se move com a intenção de maximizar seus lucros do maior modo possível: isso explica boa parte das modernas fraudes, corrupção, guerras de conquista, etc. A tarefa da nova educação social, ou como Marx utilizava mais, dos revolucionários, seria contribuir para a formação de uma consciência de classe entre os trabalhadores que pudesse fortalecê-lhes o seu movimento por direitos de modo a chamar a atenção para que os trabalhadores pudessem, eles mesmos, transformar seu movimento em movimento político e conquistar a hegemonia política na sociedade. Uma vez no poder, a principal tarefa dos revolucionários seria acelerar a destruição do capitalismo e criar uma nova sociedade. Che Guevara chamava a atenção para o fato de que os objetivos do socialismo não são somente criar um mundo onde não haja a divisão entre trabalhadores e exploradores, um mundo no qual não haja miséria, mas sim criar o novo homem e a nova mulher libertos da ignorância, da alienação e do egoísmo.
O nosso público alvo seria, então, os trabalhadores, já que a história mostra que os exploradores não entregam nunca de mão beijada os seus privilégios e que utilizam da maior força bruta para mantê-los. A revolução que precisamos, anti-capitalista, democrática e popular, não pode ser feita com os exploradores, mas também não pode ser feita sem os trabalhadores. O nosso Movimento, portanto, visa contribuir na organização dos trabalhadores, e por que não dizer, na organização popular.
Para contribuímos na organização do povo é preciso, primeiro, conhecê-lo e respeitá-lo. Mas a nossa intenção é transformá-lo, para assim, transformarmos a sociedade. Transformar o povo consiste em transformar sua filosofia de vida, suas concepções de mundo. E o homem comum, do povo, sustenta suas visões de mundo em elementos de fé. Essa fé “Mas fé em que e em quem? Sobretudo no grupo social ao qual pertence, na medida em que este pense as coisas também difusamente (...) O fato de ter sido convencido uma vez, de maneira fulminante, é a razão da permanente persistência na convicção, ainda que não se saiba mais argumentar” (Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, vol. 1.)
Devemos utilizar a linguagem do povo, mas não podemos nos contentar com ela. Educando os trabalhadores para a ampliação de seu horizonte cultural, para a elevação de seu nível intelectual estaremos contribuindo para que o mesmo tenha melhores condições de luta e de organização.
Gramsci nos dá algumas outras formas de educação popular: “1) não se cansar jamais de repetir os próprios argumentos (variando literalmente a sua forma): a repetição é o meio didático mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular; 2) trabalhar incessante para elevar intelectualmente camadas populares cada vez mais vastas, isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, o que signifca trabalhar na criação de elites de intelectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e que permaneçam em contato com ela para que sejam seus ‘espartilhos’”. (Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, vol. 1).
Por último, nesta lista incompleta, para que sejamos um educador coletivo, precisamos da práxis: ou seja, da unidade entre teoria e prática. Sobre isso, Goethe já dizia que “São verdadeiramente poucos aqueles que refletem e ao mesmo tempo são capazes de agir. A reflexão amplia, mas debilita; a ação revigora, mas limita”. Lênin já dizia que “sem teoria revolucionária, não existe movimento revolucionário” e que a teoria é fundamental para a prática na medida em que permite a “análise concreta das situações concretas”.
Fazer parte de um educador coletivo exige a formação individual constante e a formação coletiva afinada. O Movimento Vicente Veloso é um educador coletivo para uma nova educação social. E, acreditamos (porque também somos povo e também precisamos de elementos de fé) que com o crescimento e avanço de uma nova educação social, capaz de criar um forte movimento popular e uma ousada intervenção política do povo, em escala latino-americana, seremos capazes de fazer do mundo que queremos um mundo real onde haja justiça, paz e liberdade!

9 de fev. de 2010

Movimento Vicente Veloso




Em setembro de 2008, jovens trabalhadores e estudantes do município de Uibaí pararam pra pensar e agir. Pensar para criticar a sociedade atual, seu consumo destrutivo, seu autoritarismo, sua destruição, sua "valorização do mundo das coisas em detrimento do mundo dos seres humanos". Agir para transformá-la através da organização popular e do enfrentamento do Estado e do poder constituído. Crendo que uma outra sociedade é possível o Movimento Vicente Veloso tem um olho no futuro. Porém, sem desconsiderar que seguimos a trilha do passado. Por isso, nosso nome:

Vicente Veloso, escravo rebelde, fugitivo, não esperou a liberdade como um maná do céu. Pelo contrário, assumiu a liberdade como uma ação, uma rebeldia, uma ousadia. Vicente Veloso que escolheu a solidão das caatingas ao invés da opressão senhorial. Vicente preto, rebelde, revolucionário.
Aqui estamos nós, assumindo a liberdade como uma ação e a transformação da realidade como uma necessidade. Trabalhando pra conseguir a farinha, dançando nosso forró e construindo nossa luta.

Temos algumas formas de atuação

Informativo "A Indaga": espaço de crítica política e cultural aberto, democrático é sustentado por trabalhadores que se identificam com a rebeldia e que remam contra a maré do jeito que dá. Escrito pelos vicentistas e aberto a todos os escrevedores dispostos a divulgar suas linhas de cada dia. É só enviar para aindaga.espacolivre@gmail

Mobilização: acreditamos que a luta coletiva é não só uma forma de liberação, como também a única alternativa para transformar a sociedade e sair desse marasmo do individualismo ilusório que na verdade é homogeneização autoritária que esmaga as vontades, os desejos e as atitudes dos sujeitos.