2 de set. de 2010

Plebiscito pelo Limite da Propriedade da Terra: participe!



A luta pela terra no Brasil é e sempre foi uma luta pela vida e pela morte. Antes, na terra brasileira só havia mata e liberdade, havia vários povos que viviam com a mãe terra tirando o suficiente para viver. Eram guaranis, tupinambás, yanomamis, kiriris, tupis, jês, funiôs, guaipurus, pipipãs, aimarás. Cada povo tinha sua língua, sua cultura, sua forma de agradecer a Deus e mãe terra o que havia de bom, para pedir uma boa chuva e uma boa guerra. Mas, um dia, vieram tomar as suas terras e suas vidas, porque as terras não tinham valor nenhum a não ser se nelas houvesse trabalho. Os portugueses chegaram atrás de madeira, depois atrás de ouro, depois atrás de terra e de sangue indígena para fazer brotar da terra produtos para vender para outros países, não para matar a própria fome, mas para enriquecer poucos homens. A guerra foi terrível e nunca acabou. Hoje não são mais os portugueses. São fazendeiros, empresas nacionais e multinacionais que tentam expulsar os indígenas de terras onde eles vivem há milhares de anos. Os indígenas, apesar das doenças, das guerras, da lâmina dos machados e espadas, do fogo de trabucos, pistolas e espingardas, apesar da violência do padre, de um deus que não conheciam, de uma língua que não falavam e de valores e costumes que não eram os seus. Mesmo assim, os indígenas resistem e no centro da sua luta está a terra: não porque lutam pela terra, mas porque lutar pela terra é lutar pela vida, pelo alimento, pelo direito de falar sua língua, de viver sua cultura, de ser livre[1].

A luta pela terra é uma luta contra a escravidão. As terras, assim como as máquinas, as ferramentas, os transportes, tudo, não são capazes de gerar riqueza sozinhas. A terra só gera valor se houver trabalho. Além de escravizar indígenas para trabalharem nas terras que foram tomadas dos indígenas, os portugueses brancos católicos arrancaram milhões de africanos de suas terras e trouxeram eles para outra terra. Aqui, trabalharam dia e noite e madrugada, foram cativos da fome, apesar de gerarem uma das maiores riquezas da terra, foram cativos da miséria, apesar de viverem na terra das mais ricas da terra, foram cativos de valores que não eram os seus, apesar de ter sua língua, seus valores, seus deuses, seus costumes. Mas eles não se renderam. Os deuses negros sobreviveram numa guerra sem fim de valores contra o Deus católico branco dos brancos. As danças negras sobreviveram apesar dos corpos duros e sem graça dos brancos tentarem convencer que corpo de negro é só uma ferramenta para dançar e não uma ferramenta para a alegria, para a felicidade, para o amor. A inteligência negra sobreviveu, mesmo quando a miséria era tanta que nem forças para pensar se tinha, mas tinha porque a resistência é maior e mais forte que qualquer escravidão. Os negros aprenderam que a terra daqui, que não era sua, não era de ninguém e era de todos. E passaram a lutar por ela. Revoltaram-se, rebelaram-se. Fizeram motins, levantes, quilombos. E até hoje, uma parte dos negros resiste nos quilombos na luta pela terra para plantar e viver. E nas cidades grandes, milhões de negros luta por um pedaço de terra para morar e pelo direito de trabalhar.

A luta pela terra é uma luta contra o inferno na terra, é uma luta pela terra prometida. Antônio Conselheiro, em Canudos, dizia que os sertanejos pobres, aqueles montes de trabalhadores sem terra, tinham direito a terra. E que na terra eles teriam rios de leite e barrancas de cuscuz de milho. Canudos foi uma luta pela terra. Uma luta na qual os sertanejos trabalhadores lutaram contra soldados do Exército, pobres contra pobres. Irmãos contra irmãos. Mas os soldados lutavam em nome da ordem e da República. E os sertanejos lutavam com uma bravura que poucos viram porque lutavam pela terra, pela vida, pela terra prometida. Pela terra que é mais do que terra. E foi assim em Belo Monte (Canudos), em Contestado, em Pau de Colher[2]...

A luta pela terra no Brasil é uma luta de trabalhadores contra fazendeiros. Um dia desses, por volta dos anos 50, os trabalhadores resolveram uma coisa: se a propriedade da terra era uma coisa ao, então todos teriam o direito a ter uma. Se fosse uma coisa ruim então teria que ser extinta. Então formavam as Ligas Camponesas, se organizando em cada município para luta pela terra, não pela areia, pelo barro, mas pela terra que pode ser trabalhada e que uma vez trabalhada gera vida, gera riqueza, gera dignidade e orgulho para quem nela trabalha. E começaram a lutar pela reforma agrária, ou seja, por terra para todos que quiserem trabalhar nela. E queriam que a terra fosse de ninguém e de todos, na lei ou na marra como diziam. As Ligas Camponesas foram ao confronto e enfrentaram os fazendeiros, o Estado, os donos da terra que não trabalham na terra. João Pedro Teixeira, um líder das Ligas, foi assassinado quando levava livros para que seus onze filhos pudessem estudar. A luta pela terra de João Pedro era uma luta por mais do que terra. Era uma luta por educação, por saúde, por dignidade. Uma luta pelo presente e pelo futuro![3]

A luta pela terra é uma luta por muito mais do que terra. É uma luta por uma nova forma de pensar o mundo. Nessa nova forma a terra á mais do que terra. A terra é água, educação, cultura, saúde, a terra é dignidade, orgulho, honestidade. A terra é isso tudo e não é isso tudo. A terra continuou sendo um meio de escravização do ser humano, do trabalhador. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi criado em 1984 por gente de todo o país que lutava pela terra. Debaixo da sua bandeira vermelha está a luta de indígenas, negros, trabalhadores e trabalhadores que se levantaram contra a opressão. Que acreditaram que a terra poderia ser transformada de uma forma de escravização para uma forma de liberdade. A dignidade está não na cabeça de seus líderes, mas nas mãos, nos pés e nos olhos dos mais humildes e valentes entre os Sem Terra[4].

A luta pela terra é uma luta pela vida!

[1] Neves, Erivaldo Fagundes. Estrutura Fundiária e Dinâmica Mercantil. Salvador / Feira de Santana, EdUFBA, UEFS, 2006.

[2] Brito, Gilmário Moreira. Pau de Colher – na letra e na voz.Dissertação de Mestrado. São Paulo, PUC-SP, 1999. Maestri, Mário. Belo Monte uma história da Guerra de Canudos. São Paulo, Expressão Popular, 2003. Cunha, Euclides da. Os sertões. São Paulo, Martin Claret, 2004. Calasans, José. Quase Biografias de Jagunços. Salvador, UFBA, 1990.

[3] ANDRADE, Manuel Correia de. Ligas camponesas e sindicatos rurais no Nordeste (1957-64). Temas de Ciências Humanas, nº 8, 1980. STEDILLE, João Pedro (org). História e natureza das Ligas Camponesas. São Paulo, Expressão Popular, 2004.

[4] COMPARATO, Bruno Konder. A ação política do MST. São Paulo, Expressão Popular, 2001. CALDART, Roseli Salete. A pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo, Expressão, 2004. FERNANDES, B. M. A formação do MST no Brasil. Petrópolis, Vozes, 2000.


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