2 de jul. de 2010

Cristianismo e Política



Este texto foi publicado no informativo do MVIVE, A Indaga, número 2, de dezembro de 2008.

s comemorações da Padroeira de Uibaí Nossa Senhora da Conceição levaram muita gente à Igreja Católica nos últimos dias: para quem ainda duvidava pastor mostra ter um rebanho ainda muito grande. O crescimento do protestantismo é elevado: enquanto o catolicismo só cresce em torno de uma instituição, o protestantismo cresce através de milhares de denominações pentecostais e neopentecostais. Mas existem diferenças entre catolicismo e protestantismo: os protestantes têm, de um modo geral, o pertencimento exclusivo ás práticas espirituais de sua Igreja. Os católicos, pelo contrário, tem uma conhecida “tolerância” em relação a outras práticas espirituais: católicos podem ser candoblecistas, umbandistas, espíritas-kadercistas. Acontece, todavia, que a Igreja Católica é detentora de uma hegemonia política e cultural.

Em nossa região a chegada do protestantismo foi conflituosa. Os primeiros evangélicos (protestantes e batistas) eram descendentes da família de Martinho Pires de Carvalho, fundador de Traíras. A partir daquele povoado houve uma expansão do protestantismo, desde o ano de 1907. Logo após, nos anos 1910, a disputa da liderança do povoado de Canabrava do Gonçalo (então, pertencente à Xique-Xique) se deu mediada por fatores religiosos: os dois candidatos a sub-intendente (que equivaleria hoje, mais ou menos, a sub-prefeito) eram Jóvito Pereira Machado e Bejamim Machado Miranda. O primeiro foi vitorioso e o principal argumento utilizado para “desmoralizar” Bejamim foi o fato de ele ser “protestante”. A vitória coube à Jove que não teve tempo para desfrutá-la.

Em um mundo quase completamente católico, ser protestante era um crime aos ouvidos de muita gente. Nos anos 1930-40, em Ipupiara, um pastor protestante quase foi queimado em uma fogueira em praça pública: a idéia foi do padre que estava no lugarejo. Bié, primeiro poeta uibaiense, dizia em seus versos “O Deus dos protestantes / é ministro estudado na Ponte Nova / que só crê no deus-dinheiro / mas na religião não dá as provas / por que a lei de Cristo é mais velha / e a de Lutero é mais nova”. Hoje, o preconceito contra protestantes é bastante reduzido se comparado com o existente contra religiões afro-brasileiras – o Candomblé e a Umbanda – que sofrem de uma “perseguição” velada que é, além de imoral e preconceituosa, ilegal.

Outro preconceito existente é entre cristianismo e esquerda. Muitos esquerdistas acreditam que todos os cristãos são conservadores e defensores do autoritarismo e muitos cristãos católicos e protestantes acreditam que todo revolucionário e esquerdista é ateu. É uma falsidade. Ao longo da história, o cristianismo foi utilizado tanto para a opressão quanto para a libertação. A Igreja Católica estabeleceu seu domínio sobre vários países durante toda a sua história e apoiou ditaduras: o exemplo mais conhecido é a simpatia entre o papa da época e os nazi-facistas Hitler e Mussolini. Hoje, o maior país protestante do mundo é também o maior imperialista e promove guerras, invasões e crimes em todo o mundo em nome de Deus, da democracia e da liberdade.

Porém, muitos cristãos lutaram contra a opressão em diversos momentos da história: Tomas Münzer e os camponeses alemães diziam que era preciso estabelecer o Reino de Deus aqui mesmo na terra, vivendo como os primeiros cristãos, em uma sociedade de igualdade entre todos e sem autoridade. “Ninguém considerava exclusivamente sua nem uma das coisas que possuía; tudo, porém, lhes era comum” (Atos, 4:32), “então se distribuía a qualquer um à medida que alguém tinha necessidade” (Atos, 4:34-35). Lutero e os príncipes alemães usaram da força para matar Münzer e os milhares de camponeses que queriam por em prática os ensinamentos de Cristo.

No Brasil, cristãos vincularam-se aos movimentos de resistência à ditadura e na organização do povo: Paulo Stuart Writgh, um presbiteriano que era dirigente da Ação Popular Marxista-Leninista que foi preso, torturado e teve seu corpo desaparecido pela Polícia da Marinha era só um exemplo de militantes que faziam da libertação dos trabalhadores a sua missão cristã. Padres, pastores, missionários, leigos e bispos vinculados à Teologia da Libertação fizeram “a opção pelos pobres” e têm contribuído bastante nos movimentos populares da América Latina. Isso tem seu preço. O teólogo Leonardo Boff foi expulso da Igreja Católico por defender a “opção pelos pobres”. O pastor João Dias foi perseguido pela Igreja Presbiteriana do Brasil nos anos 60 por participar de um Congresso Cristo e a Revolução, em Recife. Eles seguiram Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o senhor me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados” (Isaías, 61:1)

Terá o Cristianismo um caráter ambíguo que permite diversas leituras? Ou será que Cristo era um revolucionário e os cristãos também devem o ser? A idéia de Deus é mesmo um instrumento de dominação? Ou será que a religião pode ser também libertária? Marx dizia que a “religião é o ópio do povo” no sentido de que o ajudava a suportar a dureza da exploração: será que ela também pode ajudar o povo a se libertar?

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