18 de mar. de 2010

Bié (1885-1946): primeiro poeta uibaiense


Com nome de poeta foi batizado o filho de Luzia Pereira Machado e Antonio Braúna (Antonio Machado Franca) em Canabrava nos idos de 1885: Virgílio. Mas nosso personagem não viveu de seus versos, mas do trabalho duro na agricultura em roça que ficava entre Canoão e Lagoa da Canabrava (atual Presidente Dutra). Casou-se com Ana, com quem teve quinze filhos. Foi como poeta que registrou a passagem da Coluna Prestes por Canabrava em 1926, ocasião em que três "revoltosos" - como os homens de Prestes ficaram conhecidos no nosso trecho - foram mortos e uma moradora de Canabrava foi estrupada e seu irmão foi torturado pelos "gauchos". Houve combate renhido entre canabrabeiros em armas e em represália à recepção "calorosa", todas as casas do arraial foram incendiadas. Bié escondeu sua família na roça no Canoão, a maioria da população foi pras caatingas e serras se esconder. Depois, reconstruiu sua morada na rua Pé do Morro (atualmente rua Severiano Farias) na qual morou até o fim da vida. Foi como poeta que registrou a passagem da Coluna, mas como poeta que ele sabia ser: sarcástico, irônico, bem humorado. Poetizava com alegria e sarcasmo o cotidiano de trabalho duro nas caatingas. Mesmo as secas viraram versos na cachola do poeta sertanejo que cantou

Meu nome é Virgílio
Mas meu apelido é Bié
Em trinta e nove tinha doze burro
E hoje eu ando de pé

Católico era e como bom devoto de Nossa Senhora combateu com seus versos o protestantismo que já estava instalado na região

O Deus dos protestante
é ministro estudado na Ponte Nova
que só crê no Deus-dinheiro
mas na religião não dá as prova
e a lei de Cristo é mais velha
e a de Lutero é mais nova

Não sendo exemplo de tolerância religiosa, ironizou o conservadorismo da época que estabelecia como padrão o casamento monogâmico e a vida retida e monástica que levavam os caatingueiros

Quem casa vive amarrado
como boi no cabeçaio
não adverte pela praça
nem tira o pé do buraio
nem passeia pela rua
pra quê sentença mais crua
eu zango, brigo, raio
vô compra um baraio
vô adverti pela praça
quem não casa tamém passa
sem muié tamem se escapa
quem tem muié tem trabaio

Todavia, como bom agricultor catingueiro, era pragmático que era, o poeta não era de maiores cerimônias. Chico Preto da Velha Vijú (Francisco Justino Machado) agradeceu a visita de Bié em sua casa, ao que foi respondido em versos

Seu Francisco
num agradeça minha visita
porque eu não vim lhe visitar
só vim panhá sias bruacas
pra carregar meu mie
que os priquito tão pra cabá

Transformava até coisas ruins em humor. Humor sarcástico que não poupava mortos e doentes.
Certa vez, colocou-se na posição de Quininho (Constantino Virginio de Carvalho), que contraiu doenças venéreas com Virgínia Lobá em um garimpo, durante a crise de 1939. Tirou "chacota" do próprio cunhado com os seguintes versos

As coisas desse mundo
ninguém possa pensa
eu tava no garimpo
sonhando com minha sinhá
foi quando eu caí na água com febre
foi com Virginia Lobá

Numa peregrinação à Bom Jesus da Lapa, foi a vez de Bié ficar doente. O resultado não foi motivoteve graça nenhuma. O poeta faleceu decorrente de febre tifo.
Todavia, seus versos vivem e se espalham na memória de pessoas em Irecê, P. Dutra, São Gabriel (aonde improvisava versos acompanhado pela viola de Dimas Pereira Rocha, do povoado de Jurema), Central, Itaguaçú e Uibái.
Bié Vive

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