13 de mar. de 2010
QUAL AGRICULTURA?
A região de Irecê, embora ostente um setor de serviços forte e algumas iniciativas industriais, é fundamentalmente agrária. Todavia, há agriculturas. Temos a empresa capitalista de pequeno e médio porte onde há um patrão (proprietário ou arrendatário) e empregados (os trabalhadores macaqueiros, tratoristas, técnicos, motoristas e alguns permanentes) que produzem para o mercado (agricultura comercial) e com uso de uma razoável tecnologia (assistência técnica, máquinas, agrotóxicos, sementes Geneticamente Modificadas). Temos, porém, uma agricultura camponesa (familiar) que usa largamente do saber popular tradicional, de formas tradicionais de solidariedade (adjunto ou mutirão), do trabalho familiar e a produção reparte-se em comercialização e consumo.
1) Não se trata de uma agricultura moderna aqui e uma atrasada acolá. À beleza da solidariedade camponesa – quando ela há – não pode ser comparada à frieza da relação assalariada. Todavia, também não é uma oposição entre maldade moderna e bondade tradicional, entre bem e mal. Isso seria romantismo. Ambas apresentam seus problemas e, quando não se pode falar em virtudes, ao menos é possível falar sobre potencialidades.
O (ab)uso e a destruição da capacidade produtiva da terra e da água é uma delas, sendo que a agricultura comercial destrói em maior escala do que a agricultura camponesa. Os municípios de Irecê, P. Dutra, João Dourado e Lapão não possuem praticamente mata original e isso gera um desequilíbrio ambiental cujos resultados são morte dos riachos, baixões, rios e lençóis, desertificação da terra, pragas, doenças, extinção de diversas espécies de animais e plantas, etc. O filósofo revolucionário alemão, Karl Marx já alertava no século XIX que “todo aumento da fertilidade da terra num tempo dado significa esgotamento mais rápido das fontes duradouras dessa fertilidade” (O Capital, livro 1, p. 571)
A agricultura camponesa quando em condições favoráveis mantém uma espécie de “reserva” com fins econômicos: extração de mel nativo, plantas medicinais e lenha. Porém, quando ela acontece em péssimas condições, como é o caso da agricultura camponesa na Serra Azul, a devastação é grande.
A tecnologia a serviço da agricultura pode elevar a capacidade produtiva da agricultura tornando desnecessário o uso de todas as terras possíveis e possibilitando a preservação da natureza sem prejuízos na produção de alimentos. Porém, o uso racional da tecnologia na produção agrícola não pode ser feita dentro de uma economia cujo principal objetivo é o lucro, mas sim em uma economia onde o objetivo da produção é a satisfação das necessidades humanas, portanto, em uma economia socialista. Marx dizia que “A produção capitalista (...) só desenvolve a técnica e a combinação do processo social de produção, exaurindo as fontes originais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador”
2) Ambas são capitalistas. Marx qualificou o capitalismo como o modo de produção no qual os produtores (trabalhadores) estão separados dos meios de produção de tal modo que necessitam vender sua capacidade de trabalhar (força de trabalho) ao dono dos meios de produção que lhe extrai mais-valia: ou seja, o patrão vive do trabalho não-pago do trabalhador. A agricultura comercial é desse modo: há alguns produtores de pinha que tem cerca de 500 empregados entre temporários e permanentes.
A agricultura camponesa está submetida à exploração do capital. Não obstante sua condição de proprietário, os camponeses detém apenas a propriedade formal da terra: não detém a decisão do que vai produzir e geralmente é impelido pelo crédito ou pelo mercado reduzido de produto; não pode negociar em condições de igualdade com o atravessador o preço de sua mercadoria; não detém uma renda muito superior a um trabalhador assalariado, possuindo vantagem em relação a este, a gestão do trabalho. Por conta dessa subsunção ao capital, o camponês é explorado pelo crédito (bancos), pelos impostos (Estado) e pelo mercado (atravessadores).
3) No tocante à organização dos trabalhadores, temos uma situação bastante complicada. Os sindicatos dos trabalhadores rurais não tem desempenhado um trabalho de educação política do povo, limitando-se ao terreno da economia. Porém, ao contrário do que se diz, os mesmos não desenvolvem uma prática assistencialista. O assistencialismo é uma relação onde um dá e um recebe, onde há um benfeitor e um desassistido (sem assistência). Como podem os trabalhadores rurais – verdadeiros mantenedores do STR através do imposto sindical- serem ao mesmo tempo benfeitores e dessassistidos? Trata-se, todavia, de tarefas beneficentes que historiadores chamam de mutualismo ou auxílio mútuo. Excluídos de uma saúde privada cara, sem saúde pública de qualidade, os trabalhadores rurais conseguem uma alternativa para ter acesso a médicos, remédios, dentistas e, sobretudo, direitos previdenciários (aposentadoria rural).
As associações são um enigma: aparecem aqui e acolá, como lodo, e tão fácil como aparecem, somem, sem maiores resultados concretos. Algumas delas têm obtido notável sucesso (sobretudo em Caldeirão). São importantíssimas, pois são excelentes meios de melhoria da vida dos trabalhadores e do fortalecimento de uma subjetividade comunitária que valoriza a coletividade e a solidariedade. Muito facilmente, porém, se tornaram instrumentos de controle político dos pobres por chefes municipais (vide o número de vereadores que já foram presidentes de associação em povoados e vila).
O cooperativismo tem sido uma prática bastante estimulada por setores da esquerda e, embora alguns exagerem dizendo ser “a” saída para a sociedade da exclusão social e do egoísmo, não se pode negar a sua importância e necessidade. As mesmas são carregadas de contradições, tal qual a sociedade que a gera. Porém, quando são experiências de organização autônoma dos trabalhadores podem ensinar bastante sobre a força da organização, a falta da necessidade de patrões e a possibilidade de uma sociedade sem exploração, baseada na cooperação coletiva. “Com atos e não com argumentos, prova-se que a produção em grande escala e harmonizada com as exigências da ciência moderna, pode se efetuar sem que uma classe de patrões empregue uma classe trabalhadora; e que os meios de produção, para darem frutos, não necessitam ser monopolizados para explorar e dominar o trabalhador; e que o trabalho assalariado – assim como o trabalho dos escravos e dos servos – é somente uma forma transitória e inferior destinada a desaparecer ante o trabalho associado, que executa sua tarefa com gosto, interesse e alegria” (Karl Marx, Sindicalismo).
Como combinar o que há de interessante na tradição – o adjunto ou mutirão, a solidariedade, o conhecimento tradicional – que pode ser integrada com o que há de interessante na modernidade – tecnologia, maquinário, cooperação complexa do trabalho – de modo a obter os melhores resultados para a satisfação das necessidades da comunidade rural? Será mais interessante a modernização capitalista e a formação de fazendas onde poucos patrões exploram muitos diaristas? Ou será que a saída para essa sociedade desigual não passa pela organização independente dos camponeses e na formação de cooperativas?
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