Primeiro, devemos dizer que ao que não vamos nos opor. Diferenciamos pessoas e sujeitos sociais. Costuma-se escolher lideranças por ideologia, família ou preferência pessoal. Essas duas últimas formas são lamentáveis. Tal posição leva à incoerência: movido por questões pessoais, você pode apoiar um político e combater outro que fazem coisas exatamente opostas. As opções puramente pessoais são anti-democráticas e anti-populares e atrasam qualquer tipo de avanço social.
Daí vem uma idéia amplamente divulgada de que o poder corrompe. Ora, um amigo em quem confiamos na relação pessoal é levado a um cargo de poder estatal e revela-se um inimigo. Como pode acontecer? “O poder corrompe” diriam alguns. Acreditam que o poder é uma coisa que pode ser monopolizada e que se passa de colo em colo. Essa “coisa” tem o poder de transformar completamente aquele que a toca. Será assim mesmo?
Não se trata disso. O poder é uma relação social em que há atividade dos dois lados, sendo que os subalternos consentem na dominação exercida por um grupo dominante, uma elite política. Podem ser motivados por várias razões: identidade regional ou nacional, ideológica ou coerção física, simbólica. Se os subalternos se rebelam de uma forma muito radical, é difícil para o governante conservar o poder.
Todavia, o consenso que cerca um governante existe pela pressão das tradições e das regras do jogo político. Existem costumes, leis econômicas, instituições de força como o Poder Judiciário, o Exército, a Polícia, milícias privadas, moral, religião, enfim, tradições que estabelecem regras políticas que definem o poder. Essas regras possuem alguns limites. Os governantes não podem abusar deles, sob pena de o poder fugir aos seus pés e voltar-se contra ele. Isso acontece porque o poder não é uma coisa a serviço de uma pessoa. Na verdade, o poder é uma relação social que precisa de uma pessoa para servi-lo. É a pessoa que serve ao poder e não o contrário. Aqueles que não entendem nisso caem em dois erros: não se mantém no poder se são governantes. Acreditam que a simples mudança de pessoa é capaz de mudar as regras, o que não é verdade, visto que a relação de poder é independente em relação aos sujeitos que o personificam.
Naturalmente há contradições nas regras de exercício do poder. Elas permitem sucesso tanto ao honesto quanto ao corrupto. Elas favorecem o preconceito, o conservadorismo, mas adaptam-se bem a discursos de moralidade e honestidade, pois reforçam sua condição de legítimas instituições de poder. Porém, todas elas estão montadas para favorecer a acumulação de capital, a concentração de riqueza e a manutenção de privilégios de uma minoria. O que elas não favorecem são as condições de vida dos trabalhadores.
As instituições de poder favorecem a destruição do meio ambiente, a produção capitalista e ignoram toda uma legislação ambiental existente no Brasil. Os patrões exploram e reduzem a condições de semi-escravidão os trabalhadores que não se organizam como as empregadas domésticas, os diaristas rurais e alguns trabalhadores do setor de serviços e só obedecem leis trabalhistas quando são forçados a isso pela mobilização dos trabalhadores que aciona o Estado e o força a agir garantindo conquistas históricas da classe trabalhadora.
Desse modo, as tradições e regras da política favorecem os ricos, os capitalistas e prejudicam os pobres, os trabalhadores. E os governantes não são capazes, sozinhos, de transformar as regras e reinventar o jogo. Diz um ditado que “você dança com quem te leva à festa”! De onde vem essas regras? É possível transformá-las?
Essas regras se originam no processo histórico de lutas de classes e frações de classe que combinam-se ao longo das transformações políticas. Trazem resquícios de escravismo, de sociedades camponesas tradicionais e características da modernização capitalista. Do escravismo podemos citar a idéia de que, ao comprar votos ou empregar algum trabalhador, garante legitimidade ao “patrão” compatível com a de um dono de escravos. Oferecendo emprego ou comprando voto se compra, também, a personalidade política do “cidadão”. Da sociedade camponesa tradicional é possível mencionar o fato de que as posições políticas devem vir acompanhadas por sinais de prestígio, tal qual gado, terras, riqueza, títulos e tradição familiar. Um trabalhador não estaria capacitado para algum posto político, pois não possuiria o status adequado. Da modernização capitalista, podemos mencionar a mercantilização da política e sua transformação num negócio altamente lucrativo. Ao contrário do passado, quando o Estado era um meio de garantir a ordem e manter privilégios, hoje em dia, o Estado é uma carreira e oferece possibilidades de enriquecimento em tempo recorde. Marx dizia que “os mortos oprimem como um pesadelo o cérebro dos vivos” e afirmava que “os homens fazem história, mas não nas condições desejadas”.
Essa combinação complexa de tradições e regras favorecem um governo anti-popular e anti-democrático convencendo a maioria de que o processo eleitoral foi extremamente democrático e com participação popular. Não precisamos ir muito longe para desfazer essa farsa. Basta apoiar-se na própria legislação burguesa que percebemos que não há democracia: ela condena o abuso de poder econômico, a compra de votos , a ameaça contra empregados e funcionários para forçarem a votar no candidato dos patrões e as fraudes eleitorais como a compra de títulos e o voto de eleitores de uma localidade em outra.
Assim, a força das tradições e as regras fazem com que o governante esteja sujeito a realizar um governo anti-democrático e anti-popular na medida em que o Estado capitalista tem que fazer isso. Ser popular e democrático passa diretamente pela via socialista de negação do Estado capitalista e pela sua superação. O socialista não busca o aperfeiçoamento e a reforma do Estado burguês. O socialista luta para que os trabalhadores percebam os limites desse tipo de Estado e a necessidade de destruição do mesmo para que construam formas superiores de administração pública que não se contradiga com a sociedade. É dentro do capitalismo que atua o socialista na luta pelo fortalecimento do associativismo, da cooperação, da solidariedade nas organizações populares, pois o socialista sabe que não basta acabar com a miséria, mas é preciso também por fim à alienação e ao egoísmo. O socialista prepara o povo para o socialismo, no qual existe uma forma de governo sem órgãos de repressão popular. Um Estado popular e democrático de verdade.
Os governantes só podem deixar de serem personificações do Estado capitalista se sustentados por uma intensa mobilização popular. Os governantes serão governados pelo povo de forma democrática. Nas palavras dos zapatistas, trata-se de mandar obedecendo.
Somente a partir da organização dos subalternos é que se pode forçar a democratização do poder e o declínio do Estado capitalista.
Na medida em que o PT entrou nas regras do jogo do Estado capitalista, “deixando de ser um partido contra a ordem e passando a ser um partido a serviço da ordem”, não se prevê nenhuma ruptura com a sociedade de classes existente e com o seu destino que é a destruição da humanidade e a intensificação da barbárie. Desse modo, devemos fazer oposição ao PT porque os socialistas devem fazer oposição a todas as forças políticas anti-populares. Eles são personificações do Estado e sua história de lutas não interessa mais, já que eles a trocaram por uma pasta em algum governo qualquer. Somente um governo baseado na atividade política dos trabalhadores pode romper com a lógica das “regras do jogo da política”, através da criação de órgãos de poder popular e da mobilização dos trabalhadores.
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